sábado, 24 de setembro de 2011

VIDA INTELIGENTE NO UNIVERSO - II


Francisco Curado


Os problemas que poderão obstar à existência de vida num planeta não têm a ver apenas com a dificuldade da sua origem, mas também com a sua sobrevivência nesse planeta.
Um dos factores determinantes é a existência de uma atmosfera em redor do planeta. Esta tem a dupla função de suportar os fenómenos respiratórios dos seres vivos, mas também o de travar os objectos celestes que se despenham sobre o planeta, pondo em causa a sobrevivência dos seres.


Planetas habitados: quantos?


Outro factor a ter em conta é a intensidade da chuva de meteoritos, asteróides e cometas a que um planeta pode estar sujeito. Estima-se que a Terra tenha sido durante milhões de anos bombardeada por estes corpos, de tal forma que mesmo que a vida emergisse nalgum local do planeta, as probabilidades de ela subsistir seriam muito reduzidas. Por fim há que ter em conta um outro factor que até há bem pouco tempo era uma preocupação fundamental da Humanidade e que muitos pensadores ponderavam se seria uma vocação das sociedades tecnolo-gicamente avançadas: a autodestruição.
Tendo em conta alguns destes factores, Frank Drake, presidente do Instituto de Pesquisa de Vida Extraterrestre (SETI), estabeleceu uma equação que estima o número (N) de civilizações tecnológicas detectáveis no universo: N = R * fp * ne * fl * fi * fc * L
O significado dos parâmetros desta equação é descrito no final deste artigo, para que o leitor possa fazer os seus cálculos. De acordo com tal fórmula, resolvemos fazer um cálculo, usando alguns números que não são os mais optimistas:

a=Idade do Universo: 15.000 milhões de anos

b=Nº de Galáxias: 100.000 milhões

c=Nº médio de estrelas por galáxia: 300.000 milhões

d=b x c: total de estrelas do Universo: 30.000.000.000.000.000 milhões

arbitrando fp = 10%, ne = 0.1%, fl = fi = fc = 1% (probabilidades não muito optimistas) para os parâme-tros da equação de Drake e L=100 anos (uma estimativa pessimista para a duração de uma sociedade tecnologicamente avançada), calculando R = d/a, obtém-se o valor de N= 20.000 planetas.

Resumindo, com base em números pessimistas, e nos nossos conhecimentos actuais, seria de esperar que o número de planetas habitados semelhantes ao nosso fosse da ordem das dezenas de milhar, só na parte do Universo por nós conhecido!
Note-se que este cálculo diz respeito apenas a civilizações com tecnologia avançada (segundo os nossos prismas), com capacidade de usar sinais inteligentes para comunicar no Espaço. Na realidade, o número de "civilizações" poderá ser muito maior, e o número de planetas habitados (mas sem sociedades organizadas) poderá ser muitíssimo superior, tendo em conta as probabilidades.
Se os números parecem ser tão optimistas, por que não detectam os pesquisadores outras civilizações no Espaço? Que pesquisas estão a ser feitas?

Pesquisas de vida extraterrestre

A Agência Espacial Norte-Americana (NASA) suporta já há longos anos um programa de pesquisa de inteligência extraterrestre (o programa SETI) que actualmente foca a vizinhança de mil estrelas do tipo do Sol (usando 28 milhões de canais de radiotelescópio) para tentar detectar sinais de civilizações com um grau de evolução tecnológico equiparado ou superior ao nosso.
A Sociedade Planetária (sediada nos Estados Unidos) tem suportado projectos de pesquisa baseados nos mesmos princípios tecnológicos, embora pesquisando diferentes zonas do Espaço. Actualmente, esta sociedade implementou um dos mais ambiciosos e caros projectos nesta área, utilizando centenas de milhões de canais de radiotelescópio em simultâneo na sua tentativa de detecção de sinais inteligentes.
Para além disso, lembramos que todas as missões de sondas espaciais enviadas a outros planetas do nosso Sistema Solar (Lua e Marte sobretudo) fazem recolha de amostras bioquímicas, tendo como um dos objectivos a pesquisa de vida ou pelo menos de matéria orgânica na superfície desses planetas.
Não se pode dizer, portanto, que no nosso século a ciência e a tecnologia tenham descurado a pesquisa de vida fora da Terra.
Quanto aos resultados, eles são bem menos animadores: a matéria orgânica tem sido detectada em corpos celestes como meteoritos e asteróides, mas não mais do que isso. Quanto à pesquisa de sinais de rádio no Espaço, alguns sinais intrigantes têm sido detectados, mas sem se poder concluir que se trata de mensagens com conteúdo inteligente.
A realidade deste tipo de pesquisa é que ela é bastante exigente em termos de recursos tecnológicos e as probabilidades de se conseguir receber sinais são baixas, uma vez que os radiotelescópios são geralmente apontados a uma pequena faixa do firmamento. Estas áreas do universo são seleccionadas para pesquisa com base no conhecimento dos astrónomos em relação à presença de estrelas com possíveis sistemas planetários — trata-se na realidade de um jogo probabilístico. Cobrir toda a esfera celeste neste tipo de missão seria impraticável.

Visitantes de outros planetas?

Se o tema da existência de extraterrestres tem dado lugar a aceso debate, mais candente ainda é a questão do seu aparecimento na Terra vulgarmente conhecida pela designação de fenómeno OVNI. Não se pode tentar sustentar uma posição relativa a este assunto sem conhecimentos empíricos. Mas, a menos que uma posição preconceituosa nos leve à partida a negá-lo, pode abordar-se a questão da possibilidade do fenómeno, sob um ponto de vista teórico.
Uma das questões que se coloca quando se fala de viajantes interestelares é a incomensurabilidade das distâncias a percorrer, relativamente à duração da vida de um ser do tipo humano. Ora a teoria da relatividade restrita veio já há alguns anos dar uma achega à questão, demonstrando que o tempo não passa da mesma forma para observadores em repouso e para observadores em movimento — concretamente, tal como foi já provado experimentalmente, o tempo passa mais lentamente para os observadores em movimento.
Assim, para um ser a viajar a uma velocidade próxima da luz, o tempo passaria muito lentamente e dar-lhe-ia a possibilidade de viajar enormes distâncias no Espaço, no tempo correspondente à duração da sua vida.
Exemplificando, para um viajante numa nave espacial, a 99,999% da velocidade da luz, o tempo passaria 224 vezes mais lentamente do que para um irmão seu que tivesse ficado na Terra. Em 10 anos, o viajante percorreria 2239,98 anos-luz; na Terra teriam passado 2240 anos, enquanto para ele teriam passado apenas 10 anos! Como efeito colateral, o nosso astronauta teria viajado não só no espaço, mas também no tempo.
É claro que viajar à velocidade da luz, ou próximo disso, é um feito tecnologicamente inalcançável para a nossa civilização actual. Mas não podemos estabelecer limites aonde nos poderá levar o progresso, se nos for dado o tempo suficiente.
Mais recentemente, outras descobertas da física-matemática vieram reequacionar as possibilidades de viajar no espaço-tempo(21). Derivadas da teoria da relatividade de Einstein, começaram a surgir novas teorias que incluem fenómenos tão exóticos como os buracos-negros e os buracos-de-verme.
Segundo alguns dos mais conceituados físicos da actualidade, o Universo estará permeado de buracos-de-verme, que são túneis no espaço-tempo que poderiam ser usados e até construídos por civilizações muito avançadas para viajar, ultrapassando as limitações teóricas impostas pela velocidade-limite da luz. Estes túneis do espaço-tempo permitiriam, entre outras coisas, passar de um Universo para outro.

À luz do espiritismo

Não podemos deixar de esboçar por vezes um ligeiro sorriso, quando deparamos com algumas das conclusões científicas como as acima referidas, e por dois motivos: um pelo reconhecimento daquilo que algumas revelações espíritas têm vindo a afirmar ainda antes de os cientistas estarem dispostos a aceitar tais teses; o outro, perante uma certa ingenuidade da abordagem científica. Tentemos refinar estas duas afirmações.
Em primeiro lugar, o espiritismo não vem tentando aproveitar da ciência aquilo que lhe interessa para suporte das suas teses, rejeitando tudo o que com elas não se compatibiliza. Acontece na realidade que o espiritismo tem tido uma capacidade de previsão e de explicação notável dos fenómenos, o que em ciência é sempre considerado como a melhor prova da correcção de uma teoria.
Em segundo lugar, nós espíritas não podemos deixar de sorrir por vezes perante o preconceito com que a ciência oficial encara toda a fenomenologia que escapa às ferramentas do seu método habitual. É interessante assinalar, por exemplo a posição de um dos autores atrás citados sobre este tema da origem da vida, quando classifica de «recurso ao sobrenatural» as teses que recorram a intervenções externas para dinami-zar a vida no nosso planeta. É uma atitude equivalente a desprezar o pensamento de um indígena que, ao encontrar um relógio perdido num deserto, associasse o maravilhoso do mecanismo à intervenção de outros seres mais evoluídos. Se não se deve, na realidade, em ciência, fomentar o mito, também não é adequado deitar fora elementos de trabalho que poderiam revelar-se fundamentais.
Por fim, uma palavra de apreço à ciência por muito do que sabemos e outra de advertência. Foi com o método científico que aprendemos a ser meticulosos nas nossas observações e cautelosos nas nossas conclusões. Allan Kardec ensinou-nos a respeitar estes princípios e dessa forma incorporou o método científico no espiritismo.
Em ciência, constrói-se passo a passo, sem precipitações, aproveitando os alicerces e o edifício já edificado por outros anteriormente, sempre na esperança de que esses precursores tenham tido o mesmo cuidado na sua construção.
Mas por vezes alguns dos que se dizem cientistas não estão livres de preconceito, nem escapam à tentação de querer ver apenas aquilo que querem ver.
A história da pesquisa científica sobre a origem da vida está eivada de casos deste género, que contaminarão durante muito tempo o edifício científico nesta área. É necessário separar o trigo do joio.

__________

Parâmetros da fórmula de Drake: R : Taxa de formação de estrelas susceptíveis de gerar condições para a vida. fp : fracção de estrelas com sistemas planetários. ne: fracção de planetas com condições ambientais para suportar vida. fl : fracção de planetas com condições apropriadas, que suportam vida actualmente. fi : fracção de planetas com vida, que terão vida inteligente. fc : fracção de civilizações com capacidade tecnológica para serem detectadas no espaço. L :indicador da duração de uma civilização capaz de enviar para o espaço sinais inteligentes detectáveis. N = número de civilizações tecnológicas detectáveis no Universo.


Referências bibliográficas:

(1) Stephen Hawking .O Fim da Física. Gradiva (1994).
(2) B.Yavorsky, A.A.Detlaf. Prontuário de Física. Edit. Mir (Moscovo 1984).
(3) Máximo Ferreira, G. Almeida. Introdução à Astronomia e às Observações Astronómicas.
Plátano edit. (1993).
(4) Robert Burnham. Glorious Universe. Astronomy-Out-1992.
(5) Belind Wilkes.The emerging pictures of quasares. Astronomy-Dez-1991.
(6) Jeff Kanipe. Rethinking the Big-Bang. Astronomy-Abr-1992.
(7) David Bruning. Lost and found: pulsar planets. Astronomy-Jun-1992.
(8) David Brunning. Desperately seeking Jupiters. Astronomy-Jul-1992.
(9) Seth Shostak. Listening for life. Astronomy-Out-1992.
(10) Christopher Chyba. The cosmic origins of life on Earth. Astronomy-Nov-1992.
(11) Ken Croswell. Have Astronomers solved the quasar enigma?. Astronomy-Fev-1993.
(12) Alan Dyer. A new map of the Universe. Astronomy-Abr-1993.
(13) Julie Paque. A friend for life? . Astronomy-Jun-1995.
(14) Richard Monda. Shedding light on Dark Matter. Astronomy-Fev-1992.
(15) Planetary Society. Planetary Report; vol. xiii, nº 5.
(16) Planetary Society. Planetary Report; vol. xv, nº 3.
(17) Michio Kaku. What happened before the Big-Bang?. Astronomy-Mai-1996.
(18) Patrick Moore. The New observer’s book of Astronomy. Warne publ. (Londres 1962).
(19) Robert Naeye. New solar systems. Astronomy-Abr-1996.
(20) Robert Shapiro.
Origens - A criação da vida na Terra, um guia para o céptico. Gradiva (1987).
(21) Barry Parker. Tunnels through time. Astronomy-Jun-1992.


Revista de Espiritismo nº. 33, Outubro/Dezembro 1996



texto - http://www.panoramaespirita.com.br/novo/artigos/ciência

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

VIDA INTELIGENTE NO UNIVERSO - I


Francisco Curado

O tema do aparecimento da vida, da sua evolução e da sua possível distribuição no Universo tem sido um dos mais controversos quer no campo científico quer religioso.
Abrangendo áreas tão diversas como a biologia, a química, a física, a astronomia, etc., este tema deveria ser abordado por todos com a necessária dose humildade para reconhecer que nunca se pode abranger todas as áreas do conhecimento e que cada vez se torna mais difícil dominar a diversidade das matérias mesmo numa só área. Acresce que a própria ciência tem constatado ao longo dos séculos que o conhecimento não pode ser algo estabelecido e que os paradigmas de hoje poderão não servir amanhã. Sobretudo, a ciência tem demonstrado que o preconceito é o maior inimigo do conhecimento. Esta demonstração da dinâmica do conhecimento, e as suas implicações filosóficas, tem sido um dos maiores serviços que a ciência tem prestado à Humanidade. Por outro lado, a ciência é um dos pilares do espiritismo. Por estas razões, parece-nos importante começar a abordagem deste tema baseando-nos, dentro das nossas limitações, no estado actual do conhecimento nalgumas áreas da ciência, deixando para o final os comentários que o tema nos merece.

Alguns conceitos e constantes

Velocidade da luz - a velocidade da luz no vazio é de aproximadamente 300 mil km/s e é postulada pela teoria de relatividade especial (Einstein) como a velocidade máxima possível no Universo, isto é, nenhum sinal, energético ou material poderá, segundo a teoria, propagar-se no espaço a uma velocidade superior à daquela constante(2).
Distâncias - face à enormidade das distâncias com que se trabalha em astronomia e cosmologia, estas ciências adoptaram novas unidades para as medir; as mais utilizadas são: Unidade Astronómica - corresponde à distância média da Terra ao Sol e equivale a 149.600.000 km. Ano-luz - corresponde à distância percorrida durante um ano à velocidade da luz e é aproximadamente igual a 9.460.000.000.000 km.
Galáxias - as galáxias são aglomerados de estrelas e, consequentemente, de sistemas solares e seus planetas. As galáxias representam possivelmente a unidade arquitectónica básica da estrutura organizativa do Universo. As galáxias são usualmente classificadas de acordo com a sua forma em espirais (como a nossa Via Láctea), elípticas e irregulares. Estrelas e planetas - As estrelas caracterizam-se essencialmente por possuírem luz própria, enquanto os planetas não têm tal luminosidade. Para além disso, algumas características como a massa (peso) e as dimensões destes corpos são vulgarmente usadas para os distinguir. Estrelas simples/múltiplas: o nosso Sol é uma estrela simples - ela é a única a exercer influência na sua esfera de acção gravitacional, nomeadamente no nosso sistema solar. No entanto existem imensos sistemas de sóis duplos, triplos, quádruplos, em que essas estrelas se orbitam mutuamente umas às outras.
Constelações - são agrupamentos das estrelas convencionados pelos povos da Antiguidade, com base nas posições relativas dos astros visíveis a olho-nu, o que permitia a esses povos identificá-las mais facilmente no céu. Assim temos constelações com nomes de animais, de heróis e outras figuras lendárias (18) (ex.: Ursa, Escorpião, Pégaso, Virgem, etc.). O nosso lugar no Universo(3): embora seja impossível no nosso actual estado do conhecimento pensar em estabelecer a nossa posição absoluta (se é que tal existe) no Cosmos, podemos no entanto situar-nos relativamente a sistemas mais simples. Assim, a Terra é um dos planetas do nosso Sistema Solar, girando em torno de uma estrela de grandeza média denominada Sol. Por sua vez esta estrela central do nosso sistema é uma dos muitos milhões (400 mil milhões) de estrelas que povoam a galáxia a que pertencemos, designada Via Láctea.
Algumas distâncias do nosso planeta a outros objectos celestes: à estrela Sírio (no Cão Maior): 8,7 anos-luz; à estrela Polar (na Ursa Menor): 680 anos-luz; à galáxia de Andrómeda: 500 milhões de anos-luz! Universo observável: actualmente é possível observar da Terra mil milhões de galáxias.

Origem e evolução do Universo

O modelo actualmente mais aceite pela ciência (mas não o único) para a origem do Universo assenta num fenómeno designado por Big-bang (Grande Explosão). De acordo com este modelo, tudo (o nosso espaço-tempo) teria começado numa singularidade que concentraria, com uma densidade extraordinariamente elevada, toda a massa actual do Universo - ao explodir essa singularidade daria origem à matéria e energia do Universo actual, que desde então ainda não parou de se expandir. Esta teoria tem vindo a ser suportada por muitas das observações astronómicas, entre as quais se encontra a detecção da existência de uma radiação de fundo (de micro-ondas) que parece banhar todo o Universo.
À luz desta teoria tem-se tentado explicar não só a origem, mas também a estrutura actual e a evolução do Universo, tentando prever também o seu futuro, i.e., derivou-se uma cosmologia a partir do modelo do Big-bang. Uma das suas consequências é que o Universo teve um início catastrófico e provavelmente terá um fim.
Embora esta cosmologia seja a que mais adeptos tem granjeado, alguns astrofísicos adoptam posições alternativas e têm vindo a apresentar argumentos de peso em desfavor da teoria do Big-bang(6). Uma destas posições corresponde à cosmologia do Plasma, segundo a qual não há início nem fim (no tempo) para o Universo.
Recentemente, uma nova Cosmologia tem vindo a ser divulgada. Trata-se de uma tentativa de unificar a mecânica quântica (que é aplicada no estudo das partículas subatómicas) com a cosmologia baseada na relatividade geral de Einstein (que é uma teoria da gravidade). Esta nova ciência tem tido a adesão de físicos como Stephen Hawking e o prémio Nobel Murray Gall-Mann.
O mais interessante desta nova abordagem da cosmologia é que os novos modelos para a origem do Universo estabelecem que não teria surgido um Universo, mas sim um Multiverso, ou seja uma multidão de Universos (17).O nosso Universo não seria mais do que uma bolha quântica num oceano infinito de universos paralelos. Nesta visão, os big-bangs ocorrem a todo o momento, e o vácuo está constantemente a gerar novos universos. Com se isto não fosse suficientemente surpreendente, físicos como Stephen Hawking visualizam o nosso universo como estando ligado a todos os outros através de uma teia infinitamente vasta de ligações constituídas pelos túneis no espaço conhecidos por wormholes (buracos de verme).

Planetas versus estrelas

Os planetas são, no entender da maioria dos cientistas, o berço da vida. Esta consideração prende-se com as condições ambientais que os planetas podem oferecer, já que corpos como as estrelas produzem uma tal quantidade de energia que inviabiliza a formação de compostos estáveis e será impensável encontrar matéria orgânica numa estrela. Da mesma forma, corpos mais pequenos como asteróides ou cometas não disporiam das condições necessárias de estabilidade para assegurar a presença de vida. Parece-nos que mesmo de um ponto de vista científico, esta visão da vida é fortemente antropocêntrica e que a discussão do tema centrada nestas ideias deveria ter um título menos genérico. De qualquer forma alguns autores como Carl Sagan sugeriram já formas de vida alternativas muito exóticas, que poderiam habitar planetas para nós tão inóspitos como Vénus ou Júpiter.
O modelo mais aceite para a formação de planetas consiste na condensação da matéria que em forma de poeira orbita ainda a maior parte das estrelas após a sua formação. A condensação irregular desta poeira, dará origem a pequenos corpos, que por sua vez, através da atracção gravítica, irão incorporando mais matéria, até formarem corpos individualizados de grandes dimensões como os planetas. Este processo levaria cerca de 10 milhões de anos a consumar-se, esgotando a nuvem de poeira.
Calcula-se que actualmente 60 por cento das estrelas jovens apresentem discos de poeira em redor de si. Esta estimativa aponta portanto para uma probabilidade relativamente elevada de existência de sistemas planetários orbitando grande parte das estrelas. A pesquisa de planetas noutros sistemas solares é no entanto extremamente difícil, e para já não é possível de forma directa, i.e., não existem meios actualmente para observar planetas fora do nosso sistema solar; a sua detecção é feita de forma indirecta, através das perturbações que os planetas provocam nas órbitas das estrelas que circundam, bem como na luminosidade observável dessas estrelas. Muito recentemente, considerava-se que seriam necessários 20 a 30 anos de investigação para detectar um planeta com a massa de Saturno noutro sistema solar. Considerava-se também que apenas estrelas simples permitiriam a formação de discos de poeira de onde poderiam originar-se planetas. Para além disso, apenas estrelas bem comportadas (estáveis) como o nosso Sol permitiriam a coexistência de sistemas planetários. Como se estima que apenas 20 a 40 por cento das estrelas do tipo do Sol serão estrelas simples, aquele factor condicionaria muito a possibilidade de formação de planetas semelhantes ao nosso. Assumia-se também que para além de uma certa massa crítica (aproximadamente a massa do planeta Júpiter), não se poderia formar um planeta - estaríamos em presença da génese de uma estrela. No entanto, diversas descobertas recentes demonstraram a falibilidade de algumas destas considerações. Entre as novidades mais recentes conta-se a detecção de dois planetas com as dimensões da Terra orbitando uma pulsar(7) (uma estrela na fase final do seu colapso, que roda a velocidades vertiginosas, emitindo feixes de energia periódicos, como um farol no espaço), a descoberta de planetas orbitando sistemas estelares múltiplos e a descoberta de novos planetas com massas iguais e superiores à de Júpiter(19). Para além disso, a técnica de detecção de planetas tem evoluído muito rapidamente nos últimos anos, tendo-se detectado planetas bastante exóticos e em condições bastante inesperadas. Parece, pois, poder concluir-se que a probabilidade de existência de planetas em torno das estrelas será bastante superior ao que se vinha estimando.

A estrutura do Universo

Os astrónomos já há muito que concluíram que o nosso Universo não é apenas um mar de estrelas e seus planetas dispersos pelo espaço. Pelo contrário, apresenta uma estrutura bem evidente, a diversos níveis. Assim, as estrelas encontram-se agrupadas em galáxias, as galáxias constituem grupos de ordem mais elevada designados enxames (clusters), e estes por sua vez formam super-enxames, presumindo-se que estes representem a hierarquia máxima dos sistemas ligados por forças gravitacionais. O enxame ao qual pertence a nossa galáxia é denominado Grupo Local e por sua vez faz parte do super-enxame da Virgem. Num mapa do Universo recentemente elaborado por investigadores do Harvard-Smithsonian Center of Astrophysics, revela-se a estrutura dos grandes grupos, circundados por grandes espaços vazios(12). Este tipo de estrutura é um dos grandes mistérios da cosmologia actual, uma vez que, partindo de uma origem explosiva como o Big-bang, seria mais razoável esperar que a matéria estivesse uniformemente distribuída pelo Universo. Existe um princípio fundamental na Física (mais concretamente o segundo princípio da termodinâmica) que postula que num sistema deixado entregue a si próprio a entropia tende a aumentar, a desordem tende a ser máxima; isto é precisamente o contrário do que observamos no nosso Universo.

Criação-destruição contínua material

Tal como já foi atrás referido, a propósito da cosmologia quântica, aceita-se que nova matéria esteja constantemente a ser gerada do "nada".

De forma semelhante, supõe-se que determinados objectos cósmicos como os quasares e os buracos-negros sejam verdadeiros devoradores de matéria. Os quasares geram quantidades tão grandes de energia que hoje em dia a única explicação para tal é a de que aqueles objectos gigantes estejam a devorar e esmagar galáxias inteiras, emitindo a energia que está associada a tais processos.
Por seu lado, os buracos-negros serão singularidades espaciais que concentram matéria num estado de densidade tão elevado que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar ao seu campo gravitacional, tornando-os desta forma invisíveis. Este corpos têm assim a capacidade de atrair e devorar irremediavelmente tudo (estrelas incluídas) o que possa cair na sua esfera de influencia. Supõe-se existir um desses buracos-negros no centro da nossa galáxia, para além de outros já terem sido detectados de forma indirecta.

Planetas-urbe

Desde há muito que a hipótese de existirem outros planetas habitados para além do nosso tem vindo a ser colocada, sobretudo nos meios científicos. De facto, atentando na grandeza do Universo de que temos estado a falar, deixou de fazer sentido pensar que a Terra poderia ser um caso especial como único planeta votado ao aparecimento de vida. Como veremos mais à frente, o número de corpos celestes observáveis é tão grande que o número de planetas que se calcula existirem no Universo deve ser suficiente para, com base em cálculos probabilísticos simples, podermos asseverar que deve existir vida semelhante à nossa em muitos outros sistemas planetários.

A origem da vida na Terra

A história da origem da vida na Terra tem sido apresentada nas últimas dezenas de anos com base no modelo que Urey e Miller derivaram nos anos 50 das suas experiências com alguns dos presumíveis elementos constituintes do habitat terrestre há cerca 3500 milhões de anos: a água, a amónia e o metano entre outros, e a energia associada aos raios ultravioleta e às descargas eléctricas na atmosfera (relâmpagos). Segundo este modelo, a vida teria surgido espontaneamente, com base naqueles ingredientes, na Terra primitiva. Este modelo foi de tal forma aceite pela generalidade da comunidade científica que ainda hoje é aquilo que se ensina aos jovens nas escolas, quase como uma verdade absoluta. No entanto, não só não é o único modelo existente, como nem sequer é universalmente aceite pela comunidade científica. Na realidade, a implantação deste paradigma é mais um exemplo de como, em ciência, muitas vezes se acaba por aceitar aquilo que em dado momento é útil aceitar. Robert Shapiro, um bioquímico, professor na Universidade de Nova Iorque, no seu cativante livro "Origens..." aborda o tema da origem espontânea da vida referindo os estudos que alguns teóricos efectuaram, aplicando o cálculo de probabilidades. Assim, Hoyle e Wickramasinghe, dois cientistas que inicialmente subscreveram a hipótese da geração espontânea, calcularam a probabilidade de que se formasse espontaneamente não uma bactéria, mas apenas o conjunto das enzimas que a integram: a probabilidade de isto acontecer seria 1 em 1.040.000 (1 seguido de 40 mil zeros) que os autores compararam à de que «um tornado atingisse uma lixeira e montasse um Boeing 747 a partir dos materiais aí depositados». Como se estes cálculos não bastassem, um físico da Universidade de Yale, Harold Morowitz efectuou cálculos mais rigorosos e obteve a probabilidade inimaginável de 1 em 10.100.000.000.000, um valor tão esmagadoramente baixo, que o tempo necessário para a tornar viável é infinitamente maior do que a duração previsível do nosso Universo.
Afigura-se compreensível portanto que os especialistas tentem encontrar alternativas para aquele modelo.
Entre outras hipóteses alternativas coloca-se hoje a da origem cósmica da vida na Terra. Assim, a Terra teria sido "contaminada" com matéria orgânica trazida por corpos celestes tais como meteoritos que bombardearam intensamente o nosso planeta até há cerca de 3500 milhões de anos, precisamente a idade que se estima para a vida na Terra. Esta hipótese é tanto mais verosímil quanto mais se sabe hoje que o nosso planeta continua a receber partículas de pó interplanetário que contribuem com cerca de 300 toneladas de matéria orgânica por ano. O problema com a hipótese da origem cósmica da vida na Terra é que esta não faz mais do que adiar a questão - temos sempre que colocar a pergunta: mas então como se formou a vida no local de onde proveio? A questão continua em aberto.


Revista de Espiritismo nº. 32, Julho-Agosto-Setembro 1996



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quinta-feira, 8 de setembro de 2011

AS DROGAS E SUAS IMPLICAÇÕES ESPIRITUAIS


Xerxes Pessoa de Luna


Um dos problemas mais graves da sociedade humana, na atualidade, é o consumo indiscriminado, e cada vez mais crescente, das drogas, por parte não só dos adultos, mas também dos jovens e, lamentavelmente, até das crianças, principalmente nos centros urbanos das grandes cidades.

A situação é tão preocupante, que cientistas de várias partes do Planeta, reunidos, chegaram à seguinte conclusão: "Os viciados em drogas de hoje podem não só estar pondo em risco seu próprio corpo e sua mente, mas fazendo uma espécie de roleta genética, ao projetar sombras sobre os seus filhos e netos ainda não nascidos."

Diante de tal flagelo e de suas terríveis conseqüências, não poderia o Espiritismo, Doutrina comprometida com o crescimento integral da criatura humana na sua dimensão espírito-matéria, deixar de se associar àqueles segmentos da sociedade que trabalham pela preservação da vida e dos seus ideais superiores, em seus esforços de erradicação de tão terrível ameaça.

O efeito destruidor das drogas é tão intenso que extrapola os limites do organismo físico da criatura humana, alcançando e comprometendo, substancialmente, o equilíbrio e a própria saúde do seu corpo perispiritual. Tal situação, somada àquelas de natureza fisiológica, psíquica e espiritual, principalmente as relacionadas com as vinculações a entidades desencarnadas em desalinho, respondem, indubitavelmente, pelos sofrimentos, enfermidades e desajustes emocionais e sociais a que vemos submetidos os viciados em drogas.

Em instantes tão preocupantes da caminhada evolutiva do ser humano em nosso planeta, cabe a nós, espíritas, não só difundir as informações antidrogas que nos chegam do plano espiritual benfeitor que nos assiste, mas, acima de tudo, atender aos apelos velados que esses amigos espirituais nos enviam, com seus informes e relatos contrários ao uso indiscriminado das drogas, no sentido de envidarmos esforços mais concentrados e específicos no combate às drogas, quer no seu aspecto preventivo, quer no de assistência aos já atingidos pelo mal.

II - A Ação das Drogas no Perispírito

Revela-nos a ciência médica que a droga, ao penetrar no organismo físico do viciado, atinge o aparelho circulatório, o sangue, o sistema respiratório, o cérebro e as células, principalmente as neuroniais.

Na obra "Missionários da Luz" - André Luiz ( pág. 221 - Edição FEB), lemos: "O corpo perispiritual, que dá forma aos elementos celulares, está fortemente radicado no sangue. O sangue é elemento básico de equilíbrio do corpo perispiritual." Em "Evolução em dois Mundos", o mesmo autor espiritual revela-nos que os neurônios guardam relação íntima com o perispírito.

Comparando as informações dessas obras com as da ciência médica, conclui-se que a agressão das drogas ao sangue e às células neuroniais também refletirá nas regiões correlatas do corpo perispiritual, em forma de lesões e deformações consideráveis que, em alguns casos, podem chegar até a comprometer a própria aparência humana do perispírito. Tal violência concorre até mesmo para o surgimento de um acentuado desequilíbrio do Espírito, uma vez que "o perispírito funciona, em relação a esse, como uma espécie de filtro na dosagem e adaptação das energias espirituais junto ao corpo físico e vice-versa.

Por vezes o consumo das drogas se faz tão excessivo, que as energias, oriundas do perispírito para o corpo físico, são bloqueadas no seu curso e retornam aos centros de força.

III - A Ação dos Espíritos Inferiores Junto ao Viciado

Esta ação pode ser percebida através das alterações no comportamento do viciado, dos danos adicionais ao seu organismo perispiritual, já tão agredido pelas drogas, e das conseqüências futuras e penosas que experimentará quando estiver na condição de espírito desencarnado, vinculado a regiões espirituais inferiores.

Sabemos que, após a desencarnação, o Espírito guarda, por certo tempo, que pode ser longo ou curto, seus condicionamentos, tendências e vícios de encarnado. O Espírito de um viciado em drogas, por exemplo, em face do estado de dependência a que ainda se acha submetido, no outro lado da vida, sente o desejo e a necessidade de consumir a droga. Somente a forma de satisfazer seu desejo é que varia, já que a condição de desencarnado não lhe permite proceder como quando na carne. Como Espírito precisará vincular-se à mente de um viciado, de início, para transmitir-lhe seus anseios de consumo da droga, posteriormente, para saciar sua necessidade, valendo-se para tal do recurso da vampirização das emanações tóxicas impregnadas no perispírito do viciado, ou da inalação dessas mesmas emanações quando a droga estiver sendo consumida.

"O Espírito de um viciado em drogas, em face do estado de dependência a que se acha submetido, no outro lado da vida, sente o desejo e a necessidade de consumir a droga."

Essa sobrecarga mental, indevida, afeta tão seriamente o cérebro, a ponto de ter suas funções alteradas, com conseqüente queda no rendimento físico, intelectual e emocional do viciado. Segundo Emmanuel, "o viciado, ao alimentar o vício dessas entidades que a ele se apegam, para usufruir das mesmas inalações inebriantes, através de um processo de simbiose em níveis vibratórios, coleta em seu prejuízo as impregnações fluídicas maléficas daquelas, tornando-se enfermiço, triste, grosseiro, infeliz, preso à vontade de entidades inferiores, sem o domínio da consciência dos seus verdadeiros desejos".

IV - Contribuição do Centro Espírita no trabalho antidrogas desenvolvido pelos Benfeitores Espirituais

A Casa Espírita, como Pronto-Socorro espiritual, muito pode contribuir com os Espíritos Superiores, no trabalho de prevenção e auxílio às vítimas das drogas nos dois lados da vida.

Com certeza, essa contribuição poderia ocorrer através de medidas que, no dia-a-dia da Instituição, ensejassem:

  1. Um incentivo cada vez mais constante às atividades de evangelização da infância e da juventude, principalmente com sua implantação, caso a Instituição ainda não tenha implantado.

  2. Estimular seus freqüentadores, em particular a família do viciado em tratamento, à prática do Evangelho no Lar. Essas pequenas reuniões, quando realizadas com o devido envolvimento e sinceridade de propósitos, são fontes sublimes de socorro às entidades sofredoras, além, naturalmente, de concorrer para o estreitamento dos laços afetivos familiares, o que decerto estimulará o viciado, por exemplo, a perseverar no seu propósito de libertar-se das drogas ou a dar o primeiro passo nesse sentido.

  3. Preparar devidamente seu corpo mediúnico para o sublime exercício da mediunidade com Jesus, condição essencial ao socorro às vítimas das drogas, até mesmos as desencarnadas.

  4. No diálogo fraterno com o viciado e seus familiares, sejam-lhes colocados à disposição os recursos socorristas do tratamento espiritual: passe, desobsessão, água fluidificada e reforma íntima.

  5. Criar, no trabalho assistencial da Casa, uma atividade que enseje o diálogo, a orientação, o acompanhamento e o esclarecimento, como fundamentação doutrinária, ao viciado e a seus familiares.

V - Conclusão

Diante dos fatos e dos acontecimentos que estão a envolver a criatura humana, enredada no vício das drogas, geradoras de tantas misérias morais, sociais, suicídios e loucuras, nós, espíritas, não podemos deixar de considerar essa realidade, nem tampouco deixar de concorrer para a erradicação desse terrível flagelo que hoje assola a Humanidade. Nesse sentido, urge que intensifiquemos e aprimoremos cada vez mais as ações de ordem preventiva e terapêutica, já em curso em nossas Instituições, e que, também, criemos outros mecanismos de ação mais específicos nesse campo, sempre em sintonia com os ensinamentos do Espiritismo e seu propósito de bem concorrer para a ascensão espiritual da criatura humana às faixas superiores da vida.


(Reformador – Março/98)



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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

DEUS


I - EXISTÊNCIA DE DEUS

1. - Sendo Deus a causa primeira de todas as coisas, o ponto de partida de tudo, o eixo sobre o qual repousa o edifício da criação, é o ponto que importa considerar antes de tudo.

2.- É princípio elementar que se julgue uma causa por seus efeitos, mesmo quando não se vê a causa.

Se um pássaro, cortando ar, é atingido por um chumbo mortal, julga-se que um hábil atirador o feriu, embora não se veja o atirador. Não é, pois, sempre necessário ter visto uma coisa para saber que ela existe. Em tudo, é observando-se os efeitos que se chega ao conhecimento das causas.

3. - Um outro princípio também elementar, passado ao estado de axioma, por força de verdade, é que todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.

Se se perguntasse qual é o construtor de tal engenhoso mecanismo, o que se pensaria daquele que respondesse que se fez por si mesmo? Quando se vê uma obra-prima, obra de arte ou de indústria, diz-se que isso deve ser o produto de um homem de gênio, porque uma alta inteligência deve ter presidido a sua concepção; não obstante, julga-se que um homem deveu fazê-la, porque se sabe que a coisa não está acima da capacidade humana, mas não ocorrerá a ninguém dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante, e ainda menos que seja o trabalho de um animal ou o produto do acaso.

4. - Por toda parte reconhece-se a presença do homem por suas obras. A existência dos homens antediluvianos não se provaria somente pelos fósseis humanos, mas, também, e com igual certeza, pela presença nos terrenos dessa época, de objetos trabalhados pelos homens; um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo bastarão para atestar a sua presença. Pela grosseria ou pela perfeição do trabalho se reconhecerá o grau de inteligência e adiantamento daqueles que o realizaram. Se, pois, encontrando-vos em um país habitado exclusivamente por selvagens, descobrirdes uma estátua digna de Fídias, não hesitareis em dizer que os selvagens sendo incapazes de tê-la feito, deve ser a obra de uma inteligência superior à dos selvagens.

5. - Pois bem! lançando os olhos ao redor de si, sobre as obras da Natureza, observando a previdência, a sabedoria, a harmonia que presidem a tudo, reconhece-se que não há nenhuma delas que não sobrepasse o mais alto alcance da inteligência humana. Desde que o homem não pode produzi-la, é porque são o produto de uma inteligência superior à Humanidade, a menos que se diga que há efeitos sem causa.

6. - A isto, alguns opõem o seguinte raciocínio:

As obras ditas da Natureza são o produto de forças naturais que agem mecanicamente, em conseqüência das leis de atração e de repulsão; as moléculas dos corpos inertes se agregam e se desagregam sob o império dessas leis. As plantas nascem, brotam, crescem e se multiplicam sempre do mesmo modo, cada uma em sua espécie, em virtude dessas mesmas leis; cada indivíduo é semelhante àquele do qual saiu; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração, estão subordinados a causas materiais, tais como o calor, a eletricidade, a luz, a umidade, etc. Ocorre o mesmo com os animais. Os astros se formam pela atração molecular, e se movem, perpetuamente, em suas órbitas, pelo efeito da gravitação. Essa regularidade mecânica, no emprego das forças naturais, não acusa uma inteligência livre. O homem movimenta seu braço quando quer, e como quer, mas, aquele que o movimentasse, no mesmo sentido, desde o seu nascimento até a morte, seria um autômato; ora, as forças orgânicas da Natureza são puramente automáticas.

Tudo isso é verdade; mas, essas forças são efeitos que devem ter uma causa, e ninguém pretende que elas constituam a Divindade. São materiais e mecânicas, não são inteligentes por si mesmas, e isso é, ainda, verdade; mas são postas em ação, distribuídas, apropriadas para as necessidades de cada coisa, por uma inteligência que não é a dos homens. A apropriação útil dessas forças é um efeito inteligente que denota uma causa inteligente. Um pêndulo se move com regularidade automática, e é essa regularidade que lhe dá o seu mérito. A força que o faz assim agir é toda material e nada inteligente; mas o que seria desse relógio se uma inteligência não houvesse combinado, calculado, distribuído o emprego dessa força para fazê-la caminhar com precisão? Do fato de que a inteligência não está no mecanismo do relógio, e de que ela não é vista, seria racional concluir que não existe? Ela é julgada pelos seus efeitos.

A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; a engenhosidade do mecanismo atesta a inteligência e o saber do relojoeiro. Quando o relógio vos dá, no momento próprio, a informação de que tendes necessidade, jamais veio ao pensamento de alguém dizer: Eis um relógio bem inteligente.

Ocorre o mesmo com o mecanismo do Universo; Deus não se mostra, mas se afirma pelas suas obras.

7. - A existência de Deus é, pois, um fato adquirido, não somente pela revelação, mas pela evidência material dos fatos. Os povos selvagens não tiveram revelação e, não obstante, crêem, instintivamente, na existência de um poder sobre-humano; vêem coisas que estão acima do poder humano, e delas concluem que provêm de um ser superior à Humanidade. Não são mais lógicos do que aqueles que pretendem que elas se fizeram sozinhas?

II - DA NATUREZA DIVINA

8. - Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreender Deus nos falta, ainda, o sentido que não se adquire senão pela completa depuração do Espírito.

Mas o homem não pode penetrar a sua essência, sendo a sua existência dada como premissa, pode, pelo raciocínio, chegar ao conhecimento dos seus atributos necessários; porque, em vendo o que não pode deixar, sem cessar, de ser Deus, disso conclui o que deve ser.

Sem o conhecimento dos atributos de Deus seria impossível compreender a obra da criação; é o ponto de partida de todas as crenças religiosas, e foi pela falta de a ela se referirem, como farol que poderia dirigi-las, que a maioria das religiões errou em seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a onipotência, imaginaram vários deuses; as que não lhe atribuíram a soberana bondade, dele fizeram um deus ciumento, colérico, parcial e vingativo.

9. - Deus é a suprema e soberana inteligência. A inteligência do homem é limitada, uma vez que não pode nem fazer e nem compreender tudo o que existe; a de Deus, abarcando o Infinito, deve ser infinita. Se se supusesse limitada em um ponto qualquer, poder-se-ia conceber um ser ainda mais inteligente, capaz de compreender e de fazer o que o outro não faria, e, assim, sucessivamente até o infinito.

10. - Deus é eterno, quer dizer que não teve começo e nem terá fim. Se houvesse tido um começo, teria saído do nada; o nada não sendo nada, nada pode produzir; ou bem ele haveria sido criado por um ser anterior, e, então, esse ser é que seria Deus. Se se lhe supusesse um começo ou um fim, poder-se-ia, pois, conceber um ser tendo existido antes dele, ou podendo existir depois dele, e assim sucessivamente até o infinito.

11. - Deus é imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo não teriam nenhuma estabilidade.

12. - Deus é imaterial, quer dizer, que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo, não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.

Deus não tem forma apreciável pelos nossos sentidos; sem isto, seria matéria. Dizemos: a mão de Deus, o olho de Deus, a boca de Deus, porque o homem, não conhecendo senão a si mesmo, se toma por termo de comparação de tudo o que não compreende. Essas imagens onde se representa Deus sob a figura de um velho de longas barbas, coberto com um manto, são ridículas; têm o inconveniente de rebaixarem o Ser supremo às mesquinhas proporções da Humanidade; daí a emprestar-lhe as paixões da Humanidade, e dele fazer um Deus colérico e ciumento, não há senão um passo.

13. - Deus é todo-poderoso. Se não tivesse o supremo poder, poder-se-ia conceber um ser mais poderoso, e, assim, sucessivamente até que se encontrasse o ser que nenhum outro poderia superar em poder, e este é que seria Deus.

14. - Deus é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas pequenas coisas como nas maiores, e essa sabedoria não permite duvidar nem da sua justiça, nem da sua bondade.

O infinito de uma qualidade exclui a possibilidade da existência de uma qualidade contrária que a diminuiria ou a anularia. Um ser infinitamente bom não poderia ter a menor parcela de maldade, nem o ser infinitamente mau ter a menor parcela de bondade; do mesmo modo que um objeto não poderia ser de um negro absoluto com a mais leve nuança de branco, nem de um branco absoluto com a menor mancha de negro.

Deus não poderia, pois, ser, ao mesmo tempo, bom e mau, porque, então, não possuindo nem uma nem outra dessas qualidades, no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam submetidas ao capricho, e não haveria estabilidade para nada. Não poderia, pois, ser senão infinitamente bom ou infinitamente mau; ora, tendo em vista que suas obras testemunham a sua sabedoria, sua bondade e sua solicitude, é preciso disso concluir que, não podendo ser, ao mesmo tempo, bom e mau sem deixar de ser Deus, ele deve ser infinitamente bom.

A soberana bondade implica na soberana justiça; porque se agisse injustamente, ou com parcialidade, em uma só circunstância, ou com relação a uma só das suas criaturas, não seria soberanamente justo e, por conseqüência, não seria soberanamente bom.

15. - Deus é infinitamente perfeito. É impossível conceber Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, porque se poderia sempre conceber um ser possuindo o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa superá-lo, é preciso que seja infinito em tudo.

Sendo os atributos de Deus infinitos, não são suscetíveis nem de aumento, nem de diminuição; sem isso, não seria infinito e Deus não seria perfeito. Se se tirasse a menor parcela de um único dos seus atributos, não se teria mais Deus, uma vez que poderia existir um ser mais perfeito.

16. - Deus é único. A unidade de Deus é a conseqüência do infinito das perfeições. Um outro Deus não poderia existir senão com a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas; porque se houvesse, entre eles, a mais leve diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao seu poder, e não seria Deus. Se houvesse, entre eles, igualdade absoluta, seria, de toda a eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder; assim, confundidos em sua identidade, não seriam, em realidade, senão um único Deus .. Se cada um tivesse atribuições especiais, um faria o que o outro não faria, e, então, não teriam, entre eles, igualdade perfeita, uma vez que, nem um nem o outro, teria a soberana autoridade.

17. - Foi a ignorância do infinito das perfeições de Deus que engendrou o politeísmo, culto de todos os povos primitivos; eles atribuíram divindade a todo poder que lhes pareceu acima da Humanidade; mais tarde, a razão levou-os a confundirem essas diversas potências em uma única. Depois, à medida que os homens compreenderam a essência dos atributos divinos, suprimiram, dos seus símbolos, as crenças que dele eram a negação.

18. - Em resumo, Deus não pode ser Deus senão com a condição de não ser superado, em nada, por um outro ser; porque, então, o ser que o superasse, no que quer que seja, não fora senão na espessura de um cabelo, seria o verdadeiro Deus; por isso, é preciso que seja infinito em todas as coisas.

É assim que, estando a existência de Deus constatada pelo fato das suas obras, chega-se pela simples dedução lógica, a determinar os atributos que o caracterizam.

19. - Deus é, pois, a suprema e soberana inteligência; é único, eterno, imutável, imaterial, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, infinito em todas as suas perfeições, e não pode ser outra coisa.

Tal é o eixo sobre o qual repousa o edifício universal; é o farol cujos raios se estendem sobre o Universo inteiro, e que, unicamente, pode guiar o homem na procura da verdade; seguindo-o, ele não se perderá nunca, e se está tão freqüentemente extraviado é por falta de ter seguido a rota que lhe estava indicada.

Tal é, também, o critério infalível de todas as doutrinas filosóficas e religiosas; o homem tem, para julgá-las, uma medida, rigorosamente exata, nos atributos de Deus, e pode se dizer, com certeza, que toda teoria, todo princípio, todo dogma, toda crença, toda prática que estivesse em contradição com um único dos seus atributos, que tendesse não somente a anulá-los, mas simplesmente enfraquecê-las, não poderia estar com a verdade.

Em filosofia, em psicologia, em moral, em religião, não há de verdadeiro senão aquilo que não se desvie um "iota" das qualidades essenciais da Divindade. A verdadeira religião será aquela na qual nenhum artigo de fé esteja em oposição com essas qualidades, na qual todos os dogmas poderão sofrer a prova desse controle, sem dele receber nenhum prejuízo.

III - A PROVIDÊNCIA

20. - A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Deus está por toda a parte e tudo vê, tudo preside, mesmo às menores coisas; é nisso que consiste a ação providencial.

"Como é que Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, pode se imiscuir em detalhes ínfimos, preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo? Tal é a questão que o incrédulo se coloca, donde conclui que, em admitindo a existência de Deus, sua ação não deve se estender senão sobre as leis gerais do Universo; que o Universo funciona de toda a eternidade em virtude dessas leis, às quais cada criatura está submetida em sua esfera de atividade, sem que seja necessário o concurso incessante da Providência."

21. - Em seu estado atual de inferioridade, os homens não podem, senão dificilmente, compreender Deus infinito, porque o figuram restrito e limitado, igual a eles; representando como um ser circunscrito, e dele fazem uma imagem à sua imagem. Nossos quadros que o pintam sob traços humanos não contribuem pouco para manter esse erro no espírito das massas, que adoram, nele, mais a forma do que o pensamento. Para a maioria, é um soberano poderoso, num trono inacessível, perdido na imensidão dos céus; e, porque suas faculdades e suas percepções são limitadas, não compreendem que Deus possa ou se digne intervir, diretamente, nas pequenas coisas.

22. - Na impossibilidade que está o homem de compreendera própria essência da Divindade, não pode dela fazer senão uma idéia aproximada, com a ajuda de comparações, necessariamente, muito imperfeitas, mas, que podem, pelo menos, mostrar-lhe a possibilidade daquilo que, à primeira vista, parece-lhe impossível.

Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos; esse fluido, sendo ininteligente, age mecanicamente, tão-só pelas forças materiais; mas, se supusermos esse fluido dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não mais cegamente, mas, com discernimento, com vontade e liberdade; verá, entenderá e sentirá.

23. - As propriedades do fluido perispiritual podem nos dar uma idéia disso. Ele não é inteligente, por si mesmo, uma vez que é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e das percepções do Espírito.

O fluido perispiritual, não é o pensamento do Espírito, mas o agente e intermediário desse pensamento; como é ele que o transmite, dele está, de certa forma, impregnado, e, na impossibilidade, que estamos, de isolá-lo, parece não formar senão um com o fluido, do mesmo modo que o som parece não formar senão um com o ar, de sorte que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Do mesmo modo que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se torna inteligente.

24. - Que ocorra assim, ou não, com o pensamento de Deus, quer dizer, que ele atue diretamente ou por intermédio de um fluido, para facilidade de nossa inteligência, represente-mo-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente, preenchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação: a Natureza inteira está mergulhada no fluido divino; ora, em virtude do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza, e têm as mesmas propriedades do todo, cada átomo desse fluido, se pode exprimir-se assim, possuindo o pensamento, quer dizer, os atributos essenciais da Divindade, e esse fluido estando por toda a parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; não há um ser, por ínfimo que se o suponha, que, dele não esteja de algum modo saturado. Estamos, assim, constantemente em presença da Divindade; não há uma única das nossas ações, que possamos subtrair ao seu olhar; o nosso pensamento está em contato com o seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê nas mais profundas dobras do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo.

Para estender sua solicitude sobre todas as criaturas, Deus não tem, pois, necessidade de mergulhar seu olhar do alto da imensidade; as nossas preces, para serem ouvidas por ele, não têm necesidade de cortarem o espaço, nem de serem ditas com voz retumbante, porque, incessantemente ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos pensamentos são iguais aos sons de um sino, que fazem vibrar todas as moleculas do ar ambiente.

25. - Longe de nós o pensamento de materializar a Divindade; a imagem de um fluido inteligente universal não é, evidentemente, senão uma comparação, mais própria para dar uma idéia a mais justa de Deus, do que os quadros que o representam sob uma figura humana; ela tem por objeto fazer compreender a possibilidade, para Deus, de estar por toda parte e de se ocupar de tudo.

26. - Temos, incessantemente, sob os olhos, um exemplo que pode nos dar uma idéia do modo pelo qual a ação de Deus pode se exercer sobre as partes mais íntimas de todos os seres, e, por conseguinte, como as impressões, as mais sutis, da nossa alma, chegam a ele. Foi tirada de uma instrução dada por um Espírito a esse respeito.

27. - "O homem é um pequeno mundo cujo diretor é o Espírito, e no qual o princípio dirigido é o corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação da qual o Espírito seria Deus. (Compreendeis que não se pode ver aqui senão uma questão de analogia, e não de identidade.) Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que o compõem, seus músculos, seus nervos, suas articulações, são igualmente individualidades materiais, se se pode dizer assim, localizadas em um lugar especial do corpo; se bem que o número dessas partes constitutivas, de natureza tão variadas e tão diferentes, seja considerável, entretanto, ninguém duvida que não possa se produzir um movimento, que uma impressão qualquer possa ocorrer em um lugar particular, sem que o Espírito disso tenha consciência. Há sensações diversas em vários lugares simultâneos? O Espírito as sente todas, discerne-as, analisa-as, assinala, para cada uma, a sua causa e o seu lugar de ação, por intermédio do fluido perispiritual.

"Um fenômeno análogo ocorre entre a criação e Deus.

Deus está por toda a parte na Natureza, do mesmo modo que o Espírito está por toda a parte no corpo; todos os elementos da criação estão em relação constante com ele, do mesmo modo que todas as células do corpo humano estão em contato imediato com o ser espiritual; não há, pois, nenhuma razão para que fenômenos da mesma ordem não se produzam da mesma forma, num e noutro caso.

"Um membro se agita: o Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros estão em movimento, os diferentes órgãos estão postos em vibração: o Espírito sente cada manifestação, distingue-as e as localiza. As diferentes criações, as diferentes criaturas se agitam, pensam, agem diversamente, e Deus sabe tudo o que se passa, assinala a cada um o que lhe é particular.

"Pode-se disso deduzir, igualmente, a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade de todos os seres, de um mundo, entre si, a de todos os mundos, enfim, a das criações e do Criador." (Quinemant, Sociedade de Paris, 1867).

28. - Compreendemos o efeito, já é muito; do efeito remontamos à causa, e julgamos da sua grandeza pela grandeza do efeito; mas a sua essência íntima nos escapa, igual a da causa de uma multidão de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz, da gravidade; calculamo-los e, no entanto, ignoramos a natureza íntima do princípio que os produziu. E, pois, mais racional, negar o principio divino, porque não o compreendemos?

29. - Nada impede admitir, para o princípio de soberana inteligência, um centro de ação, um foco principal irradiando, sem cessar, inundando o Universo com seus fluidos, do mesmo modo que o Sol com a sua, luz. Mas onde está esse foco? E' o que ninguém pode dizer. E' provável que esteja mais fixado em um ponto determinado do que não esteja a sua ação, e que percorra, incessantemente, as regiões do espaço sem limites. Se simples Espíritos têm o dom de ubiqüidade, essa faculdade, em Deus, deve ser sem limites. Deus, preenchendo o Universo, poder-se-ia, ainda, admitir, a título de hipótese, que esse foco não tem necessidade de se transportar, e que se forma sobre todos os pontos, onde a soberana vontade julgue a propósito produzir-se, de onde se poderia dizer que ele está por toda a parte e em parte alguma.

30. - Diante desses problemas insondáveis, a nossa razão deve se humilhar. Deus existe; disso não poderemos duvidar; é infinitamente justo e bom; é a sua essência; a sua solicitude se estende a todos: compreende-mo-lo; não pode, pois, querer senão o nosso bem, e é por isso que devemos ter confiança nele: eis o essencial; quanto ao mais, esperemos que sejamos dignos de compreendê-la.

IV - A VISÃO DE DEUS

31.-Uma vez que Deus está por toda parte, porque não o vemos? Vê-lo-emos em deixando a Terra? Tais são as perguntas que se colocam diariamente.

A primeira é fácil de se resolver; nossos órgãos materiais têm percepções limitadas que os tornam impróprios à visão de certas coisas, mesmo materiais. Assim é que certos fluidos escapam totalmente à nossa visão e aos nossos instrumentos de análise, e, todavia, não duvidamos de sua existência. Vemos os efeitos da peste, e não vemos o fluido que a transporta; vemos os corpos se moverem sob a influência da força da gravidade, e não vemos essa força.

32. - As coisas de essência espiritual não podem ser percebidas por órgãos materiais; não é senão pela visão espiritual que podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial; só a nossa alma, pois, pode ter a percepção de Deus. Vê-lo-emos imediatamente depois da morte? E o que somente as comunicações de além-tumulo podem nos ensinar. Por elas, sabemos que a visão de Deus é o privilégio das almas depuradas, e que, assim, bem poucos possuem, em deixando o seu envoltório terrestre, o grau de desmaterialização necessário. Uma comparação vulgar o fará comprender facilmente.

33. - Aquele que está no fundo de um vale, mergulhado em brumas espessas, não vê o Sol; entretanto, pela luz difusa julga a presença do Sol. Se sobe a montanha, à medida que se eleva, o nevoeiro se clareia, a luz torna-se mais viva, mas não vê ainda o Sol. Não é senão depois de estar elevado acima da camada brumosa, encontrando-se num ar perfeitamente puro, que o vê em todo o seu esplendor.

Assim ocorre com a alma. O envoltório perispiritual, se bem que invisível e impalpável para nós, é, para ela, uma verdadeira matéria, muito grosseira, ainda, para certas percepções. Esse envoltório se espiritualiza à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são como camadas brumosas que obscurecem a sua visão; cada imperfeição, de que ela se desfaz, é uma tarefa a menos, mas não é senão depois de estar completamente depurada, que goza da plenitude das suas faculdades.

34. - Deus, sendo a essência divina por excelência, não pode ser percebido, em todo o seu fulgor, senão por Espíritos chegados ao último grau de desmaterialização. Se os Espíritos imperfeitos não o vêem, não é porque dele estejam mais distantes do que os outros; igual a eles, igual a todos os seres da Natureza, estão mergulhados no fluido divino, como nós o estamos na luz; unicamente, as suas imperfeições são vapores que o ocultam à sua visão; quando o nevoeiro estiver dissipado, vê-lo-ão resplandecer; para isso não terão necessidade nem de subir, nem de ir procurá-lo nas profundezas do Infinito; estando a visão espiritual desembaraçada dos véus que a obscureciam, vê-lo-ão em qualquer lugar em que se encontrem, fosse mesmo sobre a Terra, porque está por a toda parte.

35. -O Espírito não se depura senão com o tempo, e as diferentes encarnações são os alambiques no fundo dos quais deixa, a cada vez, algumas impurezas. Deixando o seu envoltório corporal, ele não se despoja, instantaneamente, das suas imperfeições; é por isso que, depois da morte, não vê Deus mais do que quando estava vivo; mas, à medida que se depura, dele tem uma intuição mais distinta; se não o vê, compreende-o melhor: a luz é menos difusa. Então, pois, quando os Espíritos dizem que Deus lhes proíbe responder a tal pergunta, não é Deus que lhes aparece, ou lhes dirige a palavra para prescrever-lhes ou interditar-lhes tal ou tal coisa; não; mas o sentem, recebem os eflúvios do seu pensamento, tal como nos ocorre com relação aos Espíritos que nos envolvem em seu fluido, embora não os vejamos.

36. - Nenhum homem pode, pois, ver Deus com os olhos da carne. Se esse favor fosse concedido a alguns, isso não seria senão o estado de êxtase, quando a alma está tanto mais liberta dos laços da matéria, quanto isso seja possível durante a encarnação. Um tal privilégio, aliás, não seria senão o das almas de escol, encarnadas em missão, e não em expiação. Mas, tendo em vista que os Espíritos de ordem mais elevada resplandecem num brilho ofuscante, pode ser que Espíritos menos elevadas, tocados pelo esplendor que os envolve, tenham acreditado ver o próprio Deus. Tal se vê, às vezes, um ministro ser tomado pelo seu soberano.

37. - Sob qual aparência Deus se apresenta àqueles que se fizeram dignos desse favor? Será sob uma forma qualquer? Igual a uma figura humana, ou igual a um foco resplandecente de luz? Eis o que a linguagem humana é impotente para descrever, porque não existe, para nós, nenhum ponto de comparação que, dele, possa dar uma idéia; somos iguais a cegos a quem se procuraria, em vão, fazer compreender a luz do Sol. Nosso vocabulário está limitado às nossas necessidades e ao círculo das nossas idéias; o dos selvagens não poderia pintar as maravilhas da civilização; o dos povos mais civilizados é muito pobre para descrever os esplendores dos céus; a nossa inteligencia muito limitada para compreendê-los, e a nossa visão, muito fraca, por eles seria ofuscada.

Allan Kardec - A Gênese


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