sexta-feira, 25 de junho de 2010

TODOS NÓS SOMOS MÉDIUNS?



Nos últimos tempos, diz o Senhor, espalharei do meu espírito por sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. - Nesses dias, espalharei do meu espírito sobre os meus servidores e servidoras e eles profetizarão. (Atos, cap. II, vv. 17 a 18. - Joel, cap. II, vv. 28 e 29.)


Inicialmente, é necessário que apresentemos a definição do que seja um médium, pois, sem isso, não há como responder à questão proposta no título. Assim sendo, vejamos, primeiramente, como o Espírito Erasto definiu esse termo:
É o ser, indivíduo que serve de intermediário aos Espíritos, para que estes possam comunicar-se facilmente com os homens, espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium não há comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer espécie que seja. (KARDEC, 2006a, p. 212).
Kardec, por sua vez, nos explica dessa forma:
MÉDIUM (do lat. Médium, meio, intermediário): pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e mais ou menos dotadas da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. Para os Espíritos, o médium é um intermediário; é um agente ou um instrumento mais ou menos cômodo, segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica. Esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento. Distinguem-se diversas variedades de médiuns, segundo sua aptidão particular para tal ou tal modo de transmissão, ou tal gênero de comunicação. (KARDEC, 1986, p. 196-197).
Resumindo-a, numa outra oportunidade, o mestre de Lion disse-nos que: “Os médiuns são as pessoas aptas a receberem a influência dos Espíritos e transmitirem os seus pensamentos”. (KARDEC, 2006c, p. 62).
Em que pese a origem dessas duas definições, entendemos que lhes falta abrangência, porquanto não deveria o seu conceito se restringir à relação entre os homens e os Espíritos desencarnados. Por que estamos dizendo isso? Pelo simples fato de que há vários relatos de experiências com evocação de Espíritos de pessoas vivas, ocorridas nas sessões da Sociedade Espírita de Paris, conforme se lê na Revista Espírita. Julgamos que esses casos estariam fora da definição clássica, pois o termo “Espírito” está se referindo aos já desencarnados. Por outro lado, aceitando-se o que narra André Luiz, dando notícias de reuniões mediúnicas no plano espiritual, nesse caso teríamos a existência dos Espíritos-médiuns, que servem de intermediários a outros de esferas mais elevadas, às quais se encontram vinculados, conforme podemos apreender nas suas obras, situações também não contempladas na definição original.
Além disso, poderíamos destacar que a condição dele ser ou servir de “intermediário” complica um pouco a definição, haja vista, que um médium pode receber uma comunicação para ele mesmo, e aí não teríamos, a rigor, essa função, a não ser que aceitemos que, nesse caso, ele, o médium, esteja sendo intermediário para si mesmo, digamos assim, hipótese que aceitamos sem problema algum.
Ademais, uma pessoa que recebendo a influência de Espíritos, e não conseguindo perceber este fato, não seria, segundo essas definições, propriamente um médium? Então, seria o quê? Segundo nosso modo de ver, a conjuntura nos recomenda ampliar o atual conceito visando dar-lhe uma abrangência maior, de forma que possa abrigar todos os casos. Assim, poderíamos dizer que médium seria o Espírito, encarnado ou não, que consegue captar ou sentir o pensamento de um outro, pouco importando a condição desse outro estar num corpo ou fora dele. O único aspecto condicionante seria de não estarem, o emissor e o captador, no mesmo plano dimensional, no qual o processo de comunicação habitual seja a transmissão de pensamento.
É certo que estamos avançando um pouco na definição, indo além do que consta nas obras da codificação, o que poderá causar espécie em algumas pessoas; mas justificamos, lembrando o que Kardec disse numa certa ocasião: “O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação”. (KARDEC, 1993b, p. 223).
Sabemos que o Codificador afirmou que “a verdadeira mediunidade supõe a intervenção direta de um Espírito” (KARDEC, 2006a, p. 142) o que viria a contradizer, em parte, o que estamos propondo; entretanto, se ampliarmos, nessa frase, o significado de Espírito para considerá-lo em qualquer situação, ou seja, encarnado ou desencarnado, ela se ajustaria plenamente ao conceito sugerido em nossa hipótese.
Especificamente, a quem poderíamos qualificar como médium? Para elucidar isso, leiamos:
[...] Quem está apto para receber ou transmitir as comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, médium, qualquer que seja o modo empregado ou o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos. Todavia, em seu uso ordinário, essa palavra tem uma acepção mais restrita, e se diz, geralmente, de pessoas dotadas de um poder mediúnico muito grande, seja para produzir efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra. (KARDEC, 1993a, p. 29). (grifo nosso).
Temos aqui então duas situações, com as quais iremos entender o seu significado: uma no sentido amplo e outra no sentido restrito. No sentido amplo, todos somos médiuns e no sentido restrito, somente aqueles nos quais essa faculdade é evidente, a ponto de produzir os fenômenos de efeitos físicos ou de transmitir o pensamento dos Espíritos. Isso fica mais claro quando, por dois momentos, Kardec volta novamente a esse assunto:
Toda pessoa que sente a influência dos Espíritos, em qualquer grau de intensidade, é médium. Essa faculdade é inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se dizer, pois, que todos são mais ou menos médiuns. Usualmente, porém, essa qualificação se aplica somente aos que possuem uma faculdade mediúnica bem caracterizada, que se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o que depende de uma organização mais ou menos sensitiva.
Deve-se notar, ainda, que essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. [...] (KARDEC, 2006a, p. 139) (grifo nosso).
Toda pessoa que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Essa faculdade é inerente ao homem, e, por conseguinte, não é, de nenhum modo, um privilégio exclusivo: também há poucos nos quais não se lhe encontra algum rudimento. Pode-se, pois, dizer que todo o mundo, com pequena diferença, é médium; todavia, no uso, essa qualificação não se aplica senão naqueles nos quais a faculdade mediúnica se manifesta por efeitos ostensivos de uma certa intensidade. (KARDEC, 2006c, p. 62) (grifo nosso).
Primeiramente, cumpre-nos informar que a primeira citação consta de O Livro dos Médiuns, publicado em janeiro de 1861, que veio em substituição ao livro Instrução Prática sobre as manifestações dos Espíritos, cuja publicação aconteceu no 1º semestre de 1858, obra na qual a encontramos nos seguintes termos:
Toda pessoa que sofre de alguma maneira a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Esta faculdade é inerente ao homem e, por conseguinte, não é um privilégio exclusivo. Por essa razão raros são os indivíduos nos quais não se encontram ainda que simples rudimentos de mediunidade. Pode-se, pois, dizer que todas ou quase todas as pessoas são médiuns. Todavia, no uso corrente, esta qualificação não se aplica senão àqueles nas quais a faculdade mediúnica é nitidamente caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que depende, então, de uma organização mais ou menos sensitiva. É preciso notar, além disto, que esta faculdade não se revela em todas as pessoas da mesma maneira. (KARDEC, 1986, p. 251) (grifo nosso).
Nosso objetivo em colocar isso, foi para ressaltar que Kardec, em sua nova fala, ao invés de dizer “todas ou quase todas as pessoas são médiuns”, passou a afirmar que “todos são mais ou menos médiuns”, demonstrando agora que a variação se prende apenas a seu grau, caso não estejamos enganados em nossa maneira de perceber.
Nesse mesmo ano de 1858, talvez um pouco antes dessa publicação, que acabamos de citar, ele afirmara:
Essa faculdade, como, aliás, já o dissemos, não é um privilégio exclusivo; ela existe em estado latente, e em diversos graus, numa multidão de indivíduos, não esperando senão uma ocasião para se desenvolver; o princípio está em nós pelo próprio efeito da nossa organização; está na Natureza; todos nós temo-lo em germe, e não está longe o dia em que veremos os médiuns surgirem de todos os pontos, no nosso meio, em nossas famílias, no pobre como no rico, a fim de que a verdade seja conhecida por todos, porque, segundo o que nos está anunciado, é uma nova era, uma nova fase que começa para a Humanidade. A evidência e a vulgarização dos fenômenos espíritas darão um novo curso às idéias morais, como o vapor deu um novo curso à indústria. (KARDEC, 2001a, p. 60-61). (grifo nosso).
Aqui, nos parece, que se tem, no mínimo, a todos nós como médiuns em potencial, relacionando a mediunidade como sendo uma característica própria da Natureza humana.
Percebemos que Kardec foi claro ao dizer que é uma faculdade inerente ao homem, sem qualquer tipo de privilégio, concluindo, conforme consta em Obras Póstumas e O Livro dos Médiuns, pela ordem, que “todo o mundo, com pequena diferença, é médium” ou que “todos são mais ou menos médiuns”, porquanto, segundo ele nos diz, todos nós recebemos influência dos espíritos, o que veremos um pouquinho mais à frente, quando citarmos O Livro dos Espíritos. É bem provável que, em virtude disso, possamos ver a aplicação do que ele havia dito na Introdução de O Livro dos Médiuns: “Embora cada qual já traga em si mesmo os germes das qualidades necessárias, essas qualidades se apresentam em graus diversos, e o seu desenvolvimento depende de causas estranhas à vontade humana” (KARDEC, 2006a, p. 10) e o que consta logo acima.
Essa visão abrangente é também o que poderemos encontrar em Channing, que, numa mensagem discorrendo sobre os médiuns, disse:
Todos os homens são médiuns. Todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando eles sabem escutá-lo. Quer alguns se comuniquem diretamente com ele, graças a uma mediunidade especial, quer outros só o escutem pela voz interna do coração e da mente. Isso pouco importa, pois é sempre o mesmo Espírito familiar que os acompanha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, será sempre uma voz que responde à vossa alma, dizendo-vos boas palavras. Acontece, porém, que nem sempre as compreendeis. [...] Ouvi pois essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar, e chegareis progressivamente a ouvir o vosso anjo guardião que vos estende a mão do alto do céu. Repito, a voz íntima que fala ao coração é a dos bons Espíritos bons. E é desse ponto de vista que todos os homens são médiuns. (KARDEC, 2006a, p. 331-332) (grifo nosso).
Esse Espírito considera a todos nós como sendo médiuns; dando, aos que o são de forma ostensiva, a condição de possuírem “uma mediunidade especial”, o que significa apenas tê-la em um grau maior.
Quanto às expressões “também há poucos nos quais não se lhe encontra algum rudimento” e “raras são as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar”, citadas um pouco atrás, não entendemos que, por isso, existam pessoas que não a tenha, mas é uma maneira de dizer que, mesmo que seja com alguns rudimentos, ninguém a deixa de ter, pois a afirmativa posterior de que “todos os homens são médiuns” parece-nos ser mais forte e, cremos, seja a intenção final de sua afirmação, a qual poderemos corroborar com outra fala do codificador, quando diz sobre os médiuns inspirados:
Todos os que recebem, no seu estado normal ou de êxtase, comunicações mentais estranhas às suas idéias, sem serem, como estas, preconcebidas, podem ser considerados médiuns inspirados. Trata-se de uma variedade intuitiva, com a diferença de que a intervenção de uma potência oculta é bem menos sensível, sendo mais difícil de distinguir no inspirado o pensamento próprio do que foi sugerido. O que caracteriza este último é sobretudo a espontaneidade. (KARDEC, 2006a, p. 154) (grifo nosso).
É interessante lermos a nota de rodapé colocada pelo tradutor Herculano Pires sobre o que se fala nesse parágrafo:
Nunca prestamos a devida atenção aos nossos processos mentais. Kardec nos oferece neste livro, como repete no período acima, uma regra de ouro nesse sentido. A psicologia materialista vai hoje se aproximando desse princípio, graças às pesquisas no campo da telepatia. Embora ainda não considere o pensamento dos Espíritos, já admite que recebemos constantemente pensamentos alheios. A observação permite-nos dividir perfeitamente o pensamento que produzimos aos poucos em nossa mente dos que nos são sugeridos. (grifo nosso)
Como proposto no início, não poderíamos ampliar o conceito da mediunidade, tomando também essa assertiva de Herculano?
Após esse nosso destaque, continuemos a transcrição:
Recebemos a inspiração dos Espíritos que nos influenciam para o bem ou para o mal. Mas ela é principalmente a ajuda dos que desejam o nosso bem, e cujos conselhos rejeitamos com muita freqüência. Aplica-se a todas as circunstâncias da vida, nas resoluções que devemos tomar. Nesse sentido pode-se dizer que todos são médiuns, pois não há quem não tenha os seus Espíritos protetores e familiares, que tudo fazem para transmitir bons pensamentos aos seus protegidos. Se todos estivessem compenetrados dessa verdade, com mais freqüência se recorreria à inspiração do anjo guardião, nos momentos em que não se sabe o que dizer ou fazer.
Que se invoque o Espírito protetor com fervor e confiança, nos casos de necessidade, e mais assiduamente se admirará das idéias que surgirão como por encanto, seja para auxiliar numa decisão ou em alguma coisa a fazer. Se nenhuma idéia surgir imediatamente, é que se deve esperar. [...] (KARDEC, 2006a, p. 155) (grifo nosso).
Já havíamos comentado alhures que, pelo fato de termos, cada um de nós, um anjo da guarda, que sempre nos acompanha, todos nós deveríamos ser considerados médiuns, pela condição de podermos receber seus conselhos, não diferente do que aqui é colocado ou, o que é mais provável ter acontecido, dizemos porque veio à nossa mente o que lêramos em algum lugar. Acreditamos que seja o mesmo que está dito no livro Nos domínios da mediunidade, quando Áulus orienta aos dois aprendizes - André Luiz e Hilário -, nestes termos: “A mediunidade é um dom inerente a todos os seres humanos, como a faculdade de respirar, e cada criatura assimila as forças superiores ou inferiores com as quais sintoniza” (XAVIER, 1987, p. 51) (grifo nosso).
Na Revista Espírita de 1865, encontramos uma mensagem intitulada Estudo sobre a mediunidade, assinada por Georges, na qual esse Espírito diz:
A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; não é nenhuma exceção nem um favor, ela faz parte do grande conjunto humano, e, como tal, está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o dualismo temível do instinto e da inteligência; possui seus gênios, sua multidão e seus monstros. (KARDEC, 2000b, p. 115) (grifo nosso).
Confirma a mediunidade como uma faculdade que faz parte da natureza do homem, sem que haja exceção de qualquer natureza.
Kardec analisa um artigo extraído do jornal la Discussion, assinado por A. Briquel, do qual transcrevemos:
Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna próprios para servirem de intermediários aos Espíritos e produzirem com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem lhes ignora a explicação. Mas a faculdade medianímica não é o privilégio exclusivo de certos indivíduos; ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diferentes, ou sob diferentes formas. (KARDEC, 1993b, p. 34) (grifo nosso).
Pelas considerações elogiosas que o codificador faz desse artigo, dizendo serem perfeitos os pontos nele abordados, concluímos que ele endossou tudo quanto foi dito, motivo pelo qual trouxemos esse trecho do artigo. Ressaltamos a questão de ser inerente à espécie humana; portanto, todos nós a temos, variando apenas quanto aos graus e formas de sua manifestação, como já foi dito várias vezes.
Outro artigo interessante é o intitulado Mediunidade Mental, no qual Kardec comenta o que lhe escreveu um dos seus correspondentes de Milianah (Argélia), dessa forma:
Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, certamente não é feita para convencer os incrédulos, porque ela nada tem de ostensiva, nem desses efeitos que ferem os sentidos; ela é toda para a satisfação íntima daquele que a possui; mas é preciso reconhecer também que ela se presta muito à ilusão, e que é o caso de se desconfiar das aparências. Quanto à existência da faculdade, dela não se poderia duvidar; pensamos mesmo que deve ser a mais freqüente; porque o nome de pessoas que sentem, no estado de vigília, a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de um pensamento que sentem não ser o seu, é considerável; a impressão agradável ou penosa que se sente às vezes à vista de alguém que se vê pela primeira vez; o pressentimento que se tem da aproximação de uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento, são também efeitos que se prendem à mesma causa e constitui uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal, porque todos dela possuem pelo menos os rudimentos; mas para sentir-lhe os efeitos marcantes, é preciso uma aptidão especial, ou melhor um grau de sensibilidade que é mais ou menos desenvolvido segundo os indivíduos. A esse título, como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil maneiras diferentes; mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todo mundo obter efeitos idênticos e ostensivos. (KARDEC, 1993b, p. 86-87).
O que está se comentando aqui é sobre uma pessoa que captava os pensamentos do seu guia espiritual, quando em estado de emancipação. Descreve, inclusive, que, nessa situação, recebia, até mesmo, visitas de outros Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados, com os quais entabulava comunicação mental. É a isso que Kardec denomina de mediunidade mental, assegurando que “todos dela possuem pelo menos os rudimentos” e, na seqüência, reafirma que: “como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium”.
Em O que é o Espiritismo, numa de suas respostas ao céptico, Kardec disse:
Além disso, os médiuns são muito numerosos e é raríssimo, quando não o sejamos, não se encontrar algum em qualquer dos membros de nossa família, ou nas pessoas que nos cercam. O sexo, a idade e o temperamento são indiferentes: eles aparecem entre os homens e mulheres, entre crianças, velhos, doentes e pessoas sadias. (KARDEC, 2007, p. 107). (grifo nosso).
Vemos, nesse ponto, que Kardec está tratando o fato “ser médium” no sentido restrito, dizendo que, na hipótese de não sermos médiuns, é raríssimo não encontrarmos um à nossa volta, o que nos faz acreditar que ele, de forma direta, reafirma a questão de todos sermos médiuns, variando apenas a intensidade que a mediunidade aflora em cada um de nós, seres humanos. É o que também concluímos do texto a seguir:
Nossa alma que não é, em definitivo, senão um Espírito encarnado, não é menos Espírito; se está momentaneamente revestida de um envoltório material, suas relações com o mundo incorpóreo, embora menos fáceis que no estado de liberdade, não são interrompidas por isso de maneira absoluta; o pensamento é laço que nos une ao Espírito, e por esse pensamento atraímos aqueles que simpatizam com as nossas idéias e nossas tendências. (KARDEC,1993a, p. 30) (grifo nosso).
Ressalte-se que, pelo fato de estarmos encarnados, não há empecilho para que tenhamos relações com os Espíritos, decorrente, segundo acreditamos, exatamente da circunstância de todos sermos médiuns. Ou estamos indo além do sentido que se pode tirar desse texto?
Dos comentários de Kardec sobre os possessos de Morzine, transcrevemos:
[...] Pela natureza fluídica e expansão do perispírito, o Espírito alcança o indivíduo sobre o qual quer agir, o cerca, o envolve, o penetra e o magnetiza. O homem, vivendo no meio do mundo invisível, está incessantemente submetido a essas influências, como às da atmosfera que respira, e essa influência se traduz por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta, e que atribui, freqüentemente, a causas inteiramente contrárias. Esta influência difere naturalmente, segundo as qualidades boas ou más do Espírito, assim como explicamos no nosso precedente artigo. Este é bom e benevolente, a influência, ou querendo-se, a impressão, é agradável, salutar: é como as carícias de uma terna mãe que enlaça seu filho nos braços; se for mau e malevolente, ela é dura, penosa, ansiosa e, às vezes, malfazeja: ela não abraça, oprime. Vivemos nesse oceano fluídico, incessantemente expostos às correntes contrárias, que atraímos, que repelimos, ou às quais nos entregamos, conforme as nossas qualidades pessoais, mas no meio das quais os homens conservam sempre seu livre arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o seu caminho.
Isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente. A ação do mundo invisível, estando na ordem das coisas naturais, se exerce sobre o homem, abstração feita de todo conhecimento espírita; a ela se está submetido como se o está à influência da eletricidade atmosférica, sem saber a física, como estar doente, sem saber a medicina. [...]
Todo indivíduo que sofre, de um modo qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium; mas é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chega a constatar a existência do mundo invisível, e pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas, que se pôde esclarecer sobre a qualidade dos seres que a compõem, e sobre o papel que eles desempenham na Natureza; o médium fez pelo mundo invisível o que o microscópio fez pelo mundo dos infinitamente pequenos. (KARDEC, 2000a, p. 2-9) (grifo nosso).
Na verdade, por estarmos em meio a um “mar de Espíritos” ou “oceano fluídico”, ninguém lhes escapa da influência, seja a dos bons ou a dos maus, motivo pelo qual Kardec concluiu: “isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente”; ou seja, a questão do médium no sentido restrito reafirma, ao que nos parece, o fato de todos sermos médiuns no sentido amplo.
Em Mecanismos da Mediunidade, André Luiz nos remete a uma informação, segundo a qual fica fácil entender a possibilidade de todos nós sermos influenciados uns pelos outros, quer estejamos encarnados ou não. Leiamos:
Reconhecemos que toda criatura dispõe de oscilações mentais próprias, pelas quais entra em combinação espontânea com a onda de outras criaturas desencarnadas ou encarnadas que se lhe afinem com as inclinações de desejos, atitudes e obras, no quimismo inelutável do pensamento. (XAVIER, 1986, p. 88) (grifo nosso).
Isso, se não estamos sendo pretensioso demais, concilia-se com a definição ampla que propomos, mais no início deste estudo.
Vejamos agora as questões de O Livro dos Espíritos, do capítulo IX – Intervenção dos Espíritos no mundo corporal, nas quais iremos encontrar algumas coisas que vêm apoiar a nossa conclusão:
459. Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em nossos atos?
“Muito mais do que imaginais, pois freqüentemente são eles que vos dirigem.”
460. Além dos pensamentos que nos são próprios, haverá outros que nos sejam sugeridos?
“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que muitos pensamentos vos ocorrem ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto e, frequentemente, bastante contraditórios. Pois bem! Neles há sempre um pouco de vós e um pouco de nós, e é isso que vos deixa na incerteza, porque tendes em vós duas idéias que se combatem.”
461. Como distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos?
Quando um pensamento vos é sugerido, é como uma voz que vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que ocorrem em primeiro lugar. Aliás, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção, e muitas vezes é útil não sabê-la: o homem age mais livremente. Se decidir pelo bem, ele o fará com maior boa vontade; se tomar o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.”
489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
Sim, o irmão espiritual. É o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.”
490. Que se deve entender por anjo de guarda?
O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”
491. Qual a missão do Espírito protetor?
“A de um pai com relação aos filhos: conduzir seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas aflições e sustentar sua coragem nas provas da vida.”
492. O Espírito protetor está ligado ao indivíduo desde o seu nascimento?
Desde o nascimento até a morte. Muitas vezes ele o segue após a morte, na vida espiritual, e mesmo através de muitas existências corporais, já que tais existências não passam de fases bem curtas da vida do Espírito.” (KARDEC, 2006b, p. 291-329 - passim) (grifo nosso).
Todas as abordagens aqui relacionadas, no tocante à influenciação dos Espíritos, se referem a todos nós, sem qualquer tipo de exceção; e se todo aquele que sofre algum tipo de influência dos Espíritos é um médium, então a alternativa, que se nos apresenta, é concluir que todos nós somos médiuns, pois não existe quem não sofra as suas conseqüências. Podemos corroborar essa afirmativa com um trecho que consta da instrução dos Espíritos na questão 495, assinada conjuntamente pelos Espíritos São Luís e Santo Agostinho. Leiamo-la:
[...] Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai vela pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando seus conselhos são ignorados.
“Não temais fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai sempre estar em relação conosco, pois assim sereis mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem limites, para rechaçar a incredulidade e a ignorância. [...] (KARDEC, 2006b, p. 305-306) (grifo nosso).
Clara é a posição desses dois espíritos, que participaram ativamente da codificação Espírita, com base na qual, imaginamos, Kardec tenha formado a sua opinião, para dizer que “todos somos médiuns”. Porém, se a compararmos com o que disse Erasto aí a coisa fica complicada; vejamos: “É, de resto, essa possibilidade de rejeição, própria da matéria, que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade na maioria dos que não são médiuns” (KARDEC, 2006a, p. 212). Para resolver o impasse, pois por aqui se tem a idéia de que nem todos são médiuns, deveremos tomar a sua explicação para tê-la no sentido restrito, não valendo, portanto, para aqueles que são médiuns no sentido amplo. Isso o fazemos apoiando-nos em Kardec. Leiamos um trecho do seu comentário intitulado A Mediunidade e a Inspiração, no qual analisa uma mensagem de Halévy (Espírito), recebida em Paris, pelo grupo Desliens, na data de 16 de fevereiro de 1869:
Sob suas formas variadas ao infinito, a mediunidade abrange a Humanidade inteira, como uma rede da qual nada pode escapar. Todos estando diariamente em contato, quer o saiba ou não, quer queira ou com isso se revolte, com inteligências livres, não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium. Sob a forma intuitiva, modo de comunicação ao qual o vulgo dá o nome de voz da consciência, cada um está em relação com várias influências espirituais, que aconselham num sentido ou num outro, e, freqüentemente simultaneamente, ora o bem puro, absoluto; ora os acomodamentos com o interesse; ora o mal em toda sua nudez. - O homem evoca essas vozes; elas respondem ao seu chamado, e ele escolhe; mas escolhe, entre essas diferentes inspirações e seu próprio sentimento. - Os inspiradores são os amigos invisíveis; como os amigos da Terra, são sérios ou de passagem, interessados ou verdadeiramente guiados pela afeição. (KARDEC, 2001b, p. 94-95). (grifo nosso).
Ressaltamos o trecho “não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium”; o que vem reforçar o que se tem dito a respeito do tema.
Concluímos que todos nós somos médiuns, sim, pois não há uma só pessoa que não receba influência dos espíritos; na pior das hipóteses, em duas situações: em uma delas, a do seu anjo da guarda; na outra, é a que acontece durante os estados de emancipação da alma, quando se comunica com os Espíritos que lhe são simpáticos, conforme ficaram aqui demonstrados ambos os casos. Obviamente, que nosso modo de pensar pode não ser comungado por alguns companheiros espíritas, o que, acreditamos, certamente, acontecerá; porém, devemos continuar respeitando a liberdade de cada um ter a sua própria opinião.
Tendo em vista que estamos usando O Livro dos Médiuns traduzido por Herculano Pires, seria oportuno colocarmos a sua opinião constante numa nota de rodapé:
A mediunidade é uma faculdade humana como qualquer outra. Ninguém pode alegar que não a possui, pois todos têm pressentimentos, intuições, percepções extra-sensoriais, sonhos premonitórios e assim por diante. Como as demais faculdades, Deus a distribui segundo as necessidades evolutivas de cada criatura. [...] (KARDEC, 2006a, p. 183) (grifo nosso).
Antes de encerrar nosso estudo seria de bom tom que pudéssemos responder a uma eventual pergunta: deveremos tentar desenvolver a nossa mediunidade? A resposta é que não seria conveniente, pois se deve deixar seguir o curso natural das coisas. Kardec, falando especificamente a respeito da vidência, respondeu a uma pergunta semelhante; leiamos:
a) Essa faculdade pode desenvolver-se pelo exercício?
- Pode, como todas as outras faculdades. Mas é daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor do que o provocado, quando corremos o risco de sobreexcitar a imaginação. A visão geral e permanente dos Espíritos é excepcional e não pertence às condições normais do homem.(KARDEC, 2006a, p. 93)
Ao colocar a faculdade de ver os espíritos como pertencente ao número “daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor”, fácil concluir que considerava, também em relação a outras, ser prudente esperar que surjam naturalmente, embora não as tendo nominado. A razão disso ele atribuiu à possibilidade de sobreexcitar a imaginação.
Trazemos também a opinião do espírito Bezerra de Menezes, conforme podemos ler no livro Recordações da Mediunidade, de autoria de Yvonne A. Pereira:
Os ensinamentos contidos nos códigos espíritas, a advertência dos elevados Espíritos que os organizaram e a prática do espiritismo demonstram que nenhum indivíduo deverá provocar, forçando-o, o desenvolvimento das suas faculdades mediúnicas, porque tal princípio será contraproducente, ocasionando novos fenômenos psíquicos e não propriamente espíritas, tais como a auto-sugestão ou a sugestão exercida por pessoas presentes no recinto das experimentações, a hipnose, o animismo, ou personismo, tal como o sábio dr. Alexandre Aksakof classifica o fenômeno, distinguindo-o daqueles denominados “efeitos físicos”. A mediunidade deverá ser espontânea por excelência, a fim de frutescer com segurança e brilhantismo, e será em vão que o pretendente se esforçará por atraí-la antes da ocasião propícia. Tal insofridez redundará, inapelavelmente, repetimos, em fenômenos de auto-sugestão ou o chamado animismo, isto é, a mente do próprio médium criando aquilo que se faz passar por uma comunicação de Espíritos desencarnados. Existem mediunidades que do berço se revelam no seu portador, e estas são as mais seguras, porque as mais positivas, frutos de longas etapas reencarnatórias, durante as quais os seus possuidores exerceram atividades marcantes, assim desenvolvendo forças do Perispírito, sede da mediunidade, vibrando intensamente num e noutro setor da existência e assim adquirindo vibratilidades acomodatícias do fenômeno. Outras existem ainda em formação (forças vibratórias frágeis, incompletas, os chamados “agentes negativos”), que jamais chegarão a se adestrar satisfatoriamente numa só existência, e que se mesclarão de enxertos mentais do próprio médium em qualquer operosidade tentada, dando-se também a possibilidade até mesmo da pseudo-perturbação mental, ocorrendo então a necessidade dos estágios em casas de saúde e hospitais psiquiátricos se se tratar de indivíduos desconhecedores das ciências psíquicas. Por outro lado, esse tratamento será balsamizante e até necessário, na maioria dos casos, visto que tais impasses comumente sobrecarregam as células nervosas do paciente, consumindo ainda grande percentagem de fluidos vitais, etc., etc. [...] (a) Adolfo Bezerra de Menezes. (PEREIRA, 1989, p. 19-20) (grifo nosso).
Sentimo-nos no dever de apresentar esse alerta, para evitar que pessoas desejosas de possuir a mediunidade na forma ampla, lendo o que aqui colocamos, se sintam incentivadas a buscar o seu desenvolvimento mediúnico e, com isso, acabem trazendo a si mesmas prejuízos psíquicos, cuja responsabilidade poderia cair sobre nossa cabeça, caso não fizéssemos esse alerta.


Paulo da Silva Neto Sobrinho
julho/2008.


Referências bibliográficas:
KARDEC, A. Iniciação Espírita. São Paulo: Edicel, 1986.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2006b.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006a.
KARDEC, A. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006c.
KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras, SP: IDE, 2001a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863. Araras, SP: IDE, 2000a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1865. Araras, SP: IDE, 2000b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1869. Araras, SP: IDE, 2001b.
PEREIRA, Y. A. Recordações da Mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1989.
XAVIER, F. C. Mecanismos da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Nos domínios da mediunidade. Rio de Janeiro: FEB, 1987.



2 comentários:

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Jorge, meu amigo. Este post está um verdadeiro tratado sobre mediunidade. Excelente. Abrangeu tudo e ficou numa ordem sequencial ideal para o bom entendimento do conteúdo. Parabéns, amigo por este belo trabalho que está fazendo, divulgando a nossa querida Doutrina de forma tão clara e gostosa de se ler. Beijos e tenha um ótimo final de semana.
OBS.: Não querendo abusar, estou iniciando a atividade de doutrinadora onde trabalho. Quando tiver alguma coisa interessante sobre o assunto ..... Beijos.

Jorge Nectan disse...

Maria José
São assuntos de suma importância que mostra um dos pilares da doutrina. Bom seria aprofundar mais sobre este assunto, pois ainda tem muito o que estudar.
Paulo apenas dá continuidade da base sobre medium e mediunidade.
Por isso, estudemos mais e mais, lógicamente sem esquecer da necessidade de colocarmos em prática tudo o que aprendermos.

Quando encontrar algo sobre Dotrinadores colocarei aqui no blog ou enviarei prá você via e-mail, tá bom?

Um doce beijo, amiga do infinito!!!
um excelente fim de semana!!

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