domingo, 29 de novembro de 2009

DEPENDÊNCIA QUÍMICA E SUAS REPERCUSSÕES ESPIRITUAIS


“A embriaguez dos sentidos é abismo de esquecimento da responsabilidade de consciência perante as exigências da evolução”. (Joanna De Angelis)


Trabalho apresentado no I Seminário de Saúde e Espiritualidade da Faculdade de Medicina de Barbacena, em outubro de 2008, Barbacena, MG; e na XXVI Semana de Espiritismo e Psiquiatria do Hospital Espírita André Luiz, no mesmo período, em Belo Horizonte, MG. (Carlos Eduardo Sobreira Maciel -carlos.amemg@hotmail.com )


A espiritualidade auxilia na prevenção e no tratamento das doenças (inclusive das dependências químicas)

Essa afirmação pode a princípio parecer dogmática, mas é a conclusão de diversos trabalhos científicos. A religião e a medicina tornaram-se independentes uma da outra com o desenvolvimento científico e tecnológico. Mas nos últimos anos uma força tem aproximado esses dois campos do saber. A comunidade científica tem mostrado interesse em entender como a espiritualidade pode auxiliar os médicos a obterem melhores resultados no exercício da profissão. Para exemplificar isso podemos dizer que desde o ano 2000 foram publicados cerca de 3000 artigos sobre religião e saúde mental.

Cito também o trabalho de um importante pesquisador, o médico Harold Koenig, que demonstrou como a fé, a oração e a prática religiosa podem ser aliadas da ciência médica. Dos seus 114 estudos, 91 concluíram que:

- Religiosos têm bem-estar mais elevado e maior esperança do que os não crentes;

- Há um número menor de casos de depressão e suicídio em indivíduos que têm alguma prática religiosa;

- Ansiedade, medo e vícios atingem menos as pessoas que tem alguma fé. E a recuperação de doentes que sofrem desses males também é mais rápida.

Baseado nessas informações, podemos dizer que a religiosidade é um fator de prevenção e também um recurso terapêutico na questão das dependências químicas. Esses trabalhos demonstram que a religiosidade é fator de promoção e recuperação de saúde, independente da crença que se professa. E quando olhamos esses trabalhos à luz do Espiritismo, encontramos uma concordância com seus resultados, além da ampliação da compreensão da etiologia, fisiopatologia e terapêutica das dependências.

Introdução O que chamamos de drogas são substâncias psicoativas, ou seja, que tem ação sobre o sistema nervoso central. As drogas de abuso compartilham um mecanismo biológico comum: a propriedade de promover direta ou indiretamente a ativação de vias dopaminérgicas, mesolímbicas e mesocorticais, associadas ao prazer, com principal envolvimento da área tegmentar, do córtex pré-frontal e do nucleus accumbens. Estas substâncias podem provocar uma ampla variedade de transtornos que diferem em gravidade (de uma leve intoxicação não complicada até graves quadros psicóticos ou demenciais irreversíveis).

Histórico O uso de substâncias psicoativas sempre existiu em todas as sociedades desde tempos mais remotos e acompanha o ser humano em uso ritualístico e festividades. Essa situação perdurou por vários séculos com um aparente controle social sobre o consumo. No entanto, nas últimas décadas, estamos convivendo com um crescimento do consumo de substâncias lícitas (como o álcool e o tabaco) e com o aumento da utilização de substâncias ilícitas como a maconha, cocaína, crack e ecstasy.

Hoje o uso de substâncias responde por uma parcela importante das internações psiquiátricas (segundo uma recente pesquisa do Ministério da Saúde, publicada no Jornal do CFM, essa parcela é de 18% das internações) e está associada a elevadas taxas de adoecimento psíquico e físico (vários órgãos são afetados). Além disso temos a gravidade das conseqüências dos episódios de abuso, principalmente acidentes de trânsito, exposição a comportamento sexual de risco e atos de violência, trazendo danos individuais e coletivos.

Dependências Trataremos do problema das drogas. Mas é muito importante dizer aqui que a questão da dependência e dos vícios não se restringe às drogas. A dependência de drogas faz parte de um grande grupo de dependências e por isso é importante lembrar que as pessoas podem ser viciadas em drogas, mas também viciadas em trabalho, em comida (temos assim os transtornos alimentares como as compulsões alimentares e a bulimia nervosa), viciadas em jogo (jogo patológico), viciadas em sexo (em psiquiatria, são os quadros conhecidos como satiríase e ninfomania), e há os viciados em pessoas (são dependências afetivas, relacionamentos afetivos doentios onde a pessoa se torna objeto da outra e na sua ausência podemos observar verdadeiras crises de abstinência).

Porque razão as pessoas procurariam os caminhos que levam às dependências? Há possíveis explicações psicológicas, psiquiátricas, genéticas e espirituais. Procurei nas semanas que antecederam esse nosso encontro, perguntar aos pacientes, internados sob os meus cuidados, para desintoxicação, o que os levou às drogas e pude perceber que as respostas não variaram muito (má influência dos companheiros, curiosidade, fuga...). Compreende-se que na base da dependência geralmente encontra-se um indivíduo com algum transtorno na personalidade, com dificuldades em enfrentar a vida em determinadas situações (com sentimentos de menos-valia, uma baixa auto-estima, um não confiar em si mesmo) e que acaba optando por uma fuga, um deslocamento para o objeto do qual se torna dependente. Outras possibilidades são: dificuldades em lidar com limites (impostos pela vida, em relação ao prazer e aos riscos) e presença daquilo que chamamos de patologias de base, como os transtornos afetivos. Por exemplo: Pessoas com depressão às vezes recorrem ao álcool para “tratar” sintomas depressivos como a insônia e o desânimo. Procuram então, a sonolência e a euforia provocadas pelo álcool, mas encontram um sono de qualidade ruim e a labilidade afetiva (da euforia acabam aprofundando a depressão). Além de piorarem a depressão, tornam-se muitas vezes, dependentes do álcool.

No livro As Dores da Alma, o autor Hammed pontua que os dependentes se apegam ao objeto (drogas, jogos, sexo, trabalho, e relacionamentos), buscando um prazer que preencha um vazio interior.

Segundo Victor Frankle, psiquiatra, fundador da Logoterapia, o vazio interior ou existencial, se manifesta principalmente num estado de tédio. Na visão de V. Frankle, os vícios podem ser entendidos se reconhecermos o vazio existencial – a ausência de sentido para a vida – subjacente a eles. Daí o porquê do vício atrair as pessoas - por que “preenche” o vazio existencial (na realidade entorpece, anestesia, para que o vazio não seja sentido). O chamariz da droga seria uma sensação agradável de curta duração. É o aspecto agradável da sensação que a faz desejável, e é a sua curta duração que gera a dependência, pois logo que passa a sensação agradável é preciso que rapidamente seja fornecida a próxima dose do vício, do contrário a sensação agradável logo se transforma em desagradável.

Do ponto de vista biológico, encontramos alterações genéticas. Nosso cérebro usa um sistema do tipo recompensa para garantir que persigamos e obtenhamos as coisas de que precisamos para sobreviver. Por exemplo, um estímulo vindo de fora (a visão de alimentos, digamos) ou do corpo (níveis de glicose em queda) é registrado pelo sistema límbico, que cria um impulso que é conscientemente registrado como desejo. O córtex então instrui o corpo a agir para realizar seu desejo. A atividade envia mensagens de resposta ao sistema límbico, que libera neurotransmissores – opióides internos que elevam os níveis circulantes de dopamina e criam uma sensação de satisfação. Segundo os geneticistas norte-americanos Kenneth Blum e David Comings, algumas pessoas teriam dificuldades em obter satisfação da vida, e teriam a síndrome de deficiência da recompensa ((biologicamente poderíamos assim explicar as compulsões) e por isso nunca conseguem o suficiente daquilo que querem: alimentos, drogas, jogos, sexo, etc. Esses geneticistas suspeitam de que um determinado gene (alelo D2R2), encontrado em 70% dos dependentes químicos, comedores compulsivos e jogadores patológicos, seria responsável por parte do comportamento. Na presença desse gene a dopamina seria impedida de se ligar a células nas vias de recompensa e a sensação de prazer que as pessoas têm com a liberação desse neurotransmissor seria reduzida.

Numa perspectiva médico-espírita a predisposição genética seria uma marca espiritual, ou seja, temos registrado em nosso DNA alterações secundárias a desequilíbrios em vida pretéritas – no caso seria a drogadição experimentada em vidas passadas.



Das dependências aos adoecimentos:

Na visão de Emannuel, nós adoecemos por reter a energia dos objetos da dependência (tratando-se das dependências de pessoas e objetos).

No livro Caminho, verdade e vida, o autor nos fala que “somos proprietários apenas daquilo que conseguimos levar dentro de nós. O resto é empréstimo Divino. Mas temos o hábito (ou melhor, o hábito adoecido que chamamos de vício) de reter as coisas, os objetos, as pessoas e suas energias, e assim vamos adoecendo...”. Veremos então todo o processo de adoecimento físico, psíquico e perispiritual.

Quanto às lesões perispirituais, numa perspectiva reencarnacionista, encontraríamos o motivo de várias lesões congênitas no trato gastro-intestinal, aparelho circulatório e no sistema nervoso central, bem como de alguns quadros de deficiência mental, no consumo de drogas. Segundo André Luiz, nos livros Ação e Reação (cap19) e Nos Domínios da Mediunidade (cap 15), os dependentes químicos atravessam as fronteiras da desencarnação como suicidas indiretos e retornam à carne em veículos físicos com lesões nos referidos órgãos e sistemas.

Quadros clínicos:

1) Intoxicação aguda: caracteriza-se pelo consumo de uma ou mais substância em quantidades suficientes para interferir no funcionamento normal do organismo. Ocorrem perturbações no nível de consciência, percepção, cognição, afeto e comportamento do indivíduo.

2) Síndrome de abstinência: conjunto de sinais e sintomas que ocorre quando o indivíduo diminui ou interrompe o consumo de determinada substância psicoativa após o uso prolongado e/ou em altas doses. É provável que o paciente refira que os sintomas são atenuados pelo uso posterior da substância.

3) Síndrome de dependência: conjunto de fenômenos fisiológicos e comportamentais no qual o uso de uma substância alcança prioridade na vida do indivíduo. Há necessidade da presença de pelo menos 3 dos seguintes critérios, características da dependência química:

- Forte desejo ou compulsão pela droga;

- Dificuldades de controlar o consumo a partir do seu início;

- Síndrome de abstinência;

- Evidências de tolerância;

- Abandono de interesses em favor do uso da substância e

- Persistência de uso a despeito de conseqüências nocivas.

Classificação: De acordo com a ação no sistema nervoso central, as drogas podem ser classificadas como:

ü Depressoras: álcool, benzodiazepínicos, solventes e opiáceos.

ü Estimulantes: cocaína, crack, anfetaminas, ecstasy.

ü Perturbadoras: maconha, Lsd.

ÁLCOOL: O álcool é a spa mais consumida porque tem ampla aceitação cultural e fácil acesso aos usuários. Isto torna as complicações relacionadas ao seu uso as mais recorrentes entre os transtornos associados ao uso de spa.

1. Mecanismo de ação: O álcool e os tranqüilizantes são drogas depressoras (ou inibidoras) do sistema nervoso central e agem diminuindo a ação neuronal através da ação nos neurônios de Gaba ( ácido gama-amino-butírico).

2. Intoxicação aguda: varia de uma leve embriaguez a depressão respiratória e morte. Os sintomas: geralmente num 1o momento com excitação, alegria e desinibição; evolui com impulsividade, irritabilidade e agressividade; e depois depressão e ideação suicida. Estando sempre presentes uma diminuição do raciocínio, alteração do julgamento, fala pastosa, ataxia. Aqui já é possível perceber o aumento de riscos: Impulsividade + agressividade + alteração de julgamento = heteroagressão. Impulsividade + ideação suicida = auto-agressão. Desinibição + impulsividade + alt. do julgamento = comportamento promíscuo. Alt. do julgamento + ataxia = acidentes.

3. Síndrome de abstinência: Início: dentro de 4 a 12h após a redução ou interrupção do consumo. Término: 4 ou 5 dias. Sintomas: desconforto GI, ansiedade, sintomas depressivos, aumento de PA, taquicardia, sudorese, tremor, insônia, febre, cãibras. Menos de 5% tem abst. Grave com convulsões (à há na literatura espírita informações acerca dessa complicação. Espíritos que dividem a energia do álcool com o dependente, ao se desligarem do mesmo, no momento da abstinência, já que a razão da ligação cessou, provocariam uma crise convulsiva) e delirium tremens (q. com tremores grosseiros, sudorese profusa, aumentos significativos da PA, FC e temperatura, alucinose) (àas alucinoses são alterações sensoperceptivas secundárias às flutuações no nível da consciência da pessoa em abstinência. Geralmente são visões de seres deformados e de situações assustadoras. A explicação deste fenômeno psicopatológico também pode ser encontrada em algumas obras espíritas:

- No livro No Mundo Maior, André Luiz nos fala sobre o dantesco quadro de perturbações alucinatórias que acomete dependentes químicos, em decorrência da ação obsessiva de entidades vampirizantes.

- No livro Medicina da Alma, Joseph Gleber explica o mecanismo dessas alucinoses - no consumo das drogas, além das lesões físicas, temos danos no duplo etérico (corpo sutil que protege o corpo físico) e um rompimento de sua tela atômica, a qual nos separa do plano astral. Neste dano encontramos explicações para as visões (alucinoses) que sofrem os dependentes em situações de intoxicação e/ou abstinência. Lembramos que podemos acessar o plano espiritual (acesso aos planos superiores) num desdobramento induzido por preces, meditação e estados de expansão da consciência. É como se houvesse uma porta que nestes estados se abre naturalmente. A lesão provocada pela droga pode ser comparada a um arrombamento desta porta, uma explosão desta porta, dando à criatura acesso aos planos inferiores.)

COCAÍNA: É a 3ª substância ilícita mais utilizada no Brasil, perdendo para a maconha (1ª) e para os solventes. É um alcalóide natural extraída da planta Erythroxylon coca, estimulante do SNC e anestésico local. Isolado na virada do séc. XX e largamente utilizada até o início dos anos 20 quando foi proibida em vários países europeus e Eua devido à dependência e ao comportamento de abuso que causava. Ressurgiu nos anos 80.

1) Mecanismo de ação: a cocaína pertence à classe de drogas estimulantes do SNC, agindo por meio do bloqueio de recaptação de dopamina, serotonina e noradrenalina nas sinapses.

2) Intoxicação aguda: aumento da FC, da PA, da vontade sexual, da auto-estima; diminuição do apetite; euforia, sudorese, tremor, comportamento violento, pânico, sintomas paranóides (considerar a possibilidade de percepções de quadro obsessivo). As complicações psiquiátricas agudas são os principais motivos de procura por atendimento médico de urgência entre os usuários de cocaína.

3) Síndrome de abstinência: sintomas marcadamente psíquicos: disforia, depressão, ansiedade, insônia, lentificação.

-Início: algumas horas após a interrupção do consumo.

- Duração: dias ou semanas. Contudo episódios de fissura (desejo súbito e intenso de utilizar a droga, associado à memória da euforia em contraste com o desprazer presente) podem acontecer meses depois após a interrupção.

MACONHA: Representante das drogas perturbadoras, a maconha é derivada do cânhamo (cannabis sativa). A maconha ou “fumo” é a combinação de brotos, folhas, caules e sementes da cannabis, fumados em cigarros de fabricação caseira.

1) Mecanismo de ação: atua em receptores canabinóides distribuídos pelo córtex, hipocampo, hipotálamo, cerebelo, complexo amigdalóide, giro do cíngulo anterior. Temos neurotransmissores canabinóides endógenos envolvidos em diversas funções, as quais são perturbadas pelo consumo de canabinóides. Ocorrem disfunções de apetite, humor, atenção, coordenação motora e de funções cognitivas superiores.

2) Intoxicação aguda: além das disfunções supracitadas, podem ocorrer reações psíquicas com variável gravidade: reações ansiosas, depressivas, maniformes e paranóides (inclusive desencadear surtos psicóticos). à novamente aqui considerar questão da tela atômica, nos casos de alucinose.

3) Síndrome de abstinência – controvérsias são superadas por algumas semanas de prática em uma Urgência Psiquiátrica, onde recebemos pacientes em sofrimentos devido à abstinência de cannabis.

Tratamento: Vamos finalizar, de certa forma, por onde começamos. Podemos dizer que as vias da prevenção são bem próximas às do tratamento. Os recursos visam as raízes do problema:

- Farmacoterapia (das patologias de base e dos sintomas de abstinência e de intoxicação)

- Psicoterapia (das questões da personalidade)

- Estímulo à religiosidade – dentro da crença individual (lembramos da prática da prece e da meditação – facilitadores do acesso aos planos extra-físicos, como alternativa aos efeitos das drogas que forçariam esse acesso...)

Vimos no início que trabalhos científicos demonstram a importância da religiosidade na prevenção e tratamento das doenças, inclusive das dependências. Mas como abordar o paciente? Pesquisas mostram duas situações:

- Apesar de 77% dos médicos pensarem que a crença religiosa pode trazer benefícios aos pacientes, a maioria deles não sabe como chegar ao doente e introduzir a espiritualidade na conversa;

- A maioria dos pacientes quer que os médicos abordem a questão da religiosidade.

É necessário que se crie uma ponte entre as partes. E o profissional de saúde deve ter uma sensibilidade muito grande para tocar nesse assunto. Algumas recomendações são: apoiar a crença espiritual do paciente, não prescrever a religião para ateus, nem dar conselhos espirituais.

Vontade: “Não há arrastamento irresistível. Uma vez que se tenha vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é poder.”(Questão 845 Livro dos Espíritos).

Todos os recursos terapêuticos são importantes, mas a eficácia de todos eles dependerá sempre, da vontade da pessoa dependente.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - LIVRO DOS ESPÍRITOS – ALAN KARDEC

2 - MEDICINA DA ALMA - JOSEPH GLEBER

3 - CAMINHO,VERDADE E VIDA - EMMANUEL

4 - DIAS GLORIOSOS – JOANNA DE ANGELIS

5 - A ESPIRITUALIDAE NO CUIDADO DO PACIENTE – HAROLD KOENIG

6 - JORNAL DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

7 - AS DORES DA ALMA – HAMMED

8 - EM BUSACA DE SENTIDO – VICTOR FRANKLE

9 - NO MUNDO MAIOR – ANDRÉ LUIZ

10 - AÇÃO E REAÇÃO – ANDRÉ LUIZ

11 - NOS DOMINIOS DA MEDIUNIDADE – ANDRÉ LUIZ

12 - O LIVRO DE OURO DA MENTE – RITA CARTER

13 - PRÁTICA PSIQUIÁTRICA NO HOSPITAL GERAL – NEURY JOSÉ BOTEGA


endereço: amemg.com.br

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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O LAR - A ESCOLA DAS ALMAS



João Batista Armani

O ideal seria dizermos: “Lá em Casa, na nossa Família temos um Lar”.

Ao tratarmos desse importante assunto, pretendemos estabelecer paralelos, que venham a esclarecer a realidade exata de cada termo, devido a algumas vezes nos confundirmos, trocando uns pelos outros.

O que é casa? A casa é a habitação, o cimento, madeira, tijolos, móveis.

O que é a família? São Pessoas aparentadas que vivem em geral, na mesma casa, pai, a mãe, os filhos, genro, nora, avós, etc. A família é um grupo de Espíritos necessitados, em compromisso inadiável, para reparação e crescimento. Existem vários tipos de família conforme a afinidade entre os espíritos que as integram. As afeições reais sobrevivem, permanecendo indissolúveis e eternas. Independente do tipo de família que temos, vamos observar a importância desta instituição e como convivermos melhor dentro dela.

O que é lar? O lar é o sentimento de união que envolve a família em prol da harmonia doméstica. Temos então dedicação, renúncia, silêncio, zelo, e tantos outros sentimentos que devotamos àqueles que se unem pela eleição afetiva ou através do impositivo consangüíneo.

Sob esta ótica, podemos então ter uma casa, uma família, mas não termos um lar, se ali não há entendimento.

FUNÇÕES DA FAMÍLIA – (Numa visão sociológica).

BIOLÓGICA: Procriação de filhos para manutenção da espécie.

SOCIALIZAÇÃO: Fornecer condições aos novos seres, de relacionarem-se com a sociedade, preparando-os para a vida.

ECONÔMICA: Transmite noção de valores, comércio, propriedade, herança. Conhecimentos necessários ao crescimento e sustentação econômica das sociedades.

CULTURAL: A transmissão de educação e saber na perpetuação cultural e acompanhamento do progresso, embora não seja exclusividade da família, hoje temos rádio, tv, jornais, revistas, internet, e as ruas.

PSICOLÓGICA: A família é a base na qual se cria a nossa natureza como pessoa nos dando segurança, firmeza e confiança.

ESPIRITUAL: Educação do Espírito (através da orientação); Formação de valores regenerativos (corrigindo tendências equivocadas); Oportunidade evolutiva (adquirindo novos conhecimentos); Desenvolvimento da afetividade e do amor para atingir a dimensão da família universal (desarmando animosidades).

Mas as dificuldades de relacionamento familiar não são de hoje.

O Evangelho de João (C7: V6) afirma que “nem os próprios irmãos de Jesus acreditavam nele”. Mateus (C12: V46), nos relata uma passagem do Cristo:

“Enquanto Jesus ainda falava às multidões, estavam do lado de fora sua mãe e seus irmãos, procurando falar-lhe.

- Disse-lhe alguém: Mestre, eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, e procuram falar contigo.

- Jesus, fitando o seu interlocutor com aquele olhar doce e sereno respondeu: Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos?

- E, estendendo a mão para os seus discípulos disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos, pois todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe...”

Jesus não estava renegando os laços familiares, mas aproveitando a oportunidade para nos trazer mais um de seus ensinamentos, dizendo-nos que existem as famílias espirituais e as famílias consangüíneas. O Mestre considerou seus apóstolos como sendo seus irmãos espirituais, diferentes dos seus irmãos carnais, aos quais estava meramente ligado por laços consangüíneos. Esta passagem busca incentivar a todos nós, a realizarmos um esforço de progresso no bem comum.

Ao demonstrar que o homem é na realidade um Espírito em aprendizado na Terra, a Doutrina Espírita ampliou o conceito de família. Situando-a em bases espirituais o Espiritismo nos apresenta a família como instrumento de progresso, e oferece ao homem um programa de desenvolvimento que pretende enfocá-lo em suas dimensões biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. E dentro desse programa são definidos como objetivos gerais: A integração do ser consigo mesmo; A integração com o próximo; A integração com Deus.

O desenvolvimento dessas faculdades pelo contato social tem início no ambiente doméstico aonde o Espírito dá continuidade ao seu aprendizado intelecto-moral. O Espírito reencarnado no seio familiar não é considerado inexperiente, é uma individualidade que traz consigo seus vícios e virtudes de passado. Por isso o processo de desenvolvimento não é começado, mas continuado a cada nova experiência de renascimento.

A perspectiva de integração global do ser consigo mesmo, com o próximo e com Deus, traz para a família uma responsabilidade maior. Traz o conceito de Família Universal, que supõe convívio fraterno entre todos os Espíritos, encarnados e desencarnados, numa cooperação mutua objetivando o progresso conjunto dos seres e das coisas.

Ao Espiritismo coube a tarefa de ampliar o sentido da sociedade humana e fazê-la entrar nessa nova era de progresso moral, aonde os erros de passado se resolvam não mais contra o indivíduo, mas a seu favor e por ele mesmo.

Com a percepção de que "Há no homem alguma coisa a mais, além das necessidades físicas" vem o Espiritismo convidar o indivíduo à vivência do amor verdadeiro cujo exercício começa no ambiente familiar. Exercita-se amizade, carinho, compreensão, cooperação, liberdade, perdão, respeito, solução de conflitos, diálogo franco e aberto, como instrumentos de burilamento.

Surge-nos então a pergunta: Mas de que maneira podemos colocar tais idéias em nossa prática diária, se na família, convivemos com seres tão diferentes e antagônicos?...

Dando o primeiro passo para que a família seja mais feliz. Comece com pequenos gestos, sorria, comprimente os familiares, ore por eles, faça pequenas gentilezas no lar, elogie (com sinceridade), ofereça ajuda. O ideal seria tratarmos os nossos familiares como tratamos às visitas.

No final de um dia de trabalho, o marido chega em casa.

Marido: Hum! Que cheirinho gostoso tem bolo? E como quem conhece o seu lugar na casa pergunta – Quem vem nos visitar?

Mulher: A comadre vem nos visitar, e vai já tirando o olho deste bolo! Você não viu que a casa está limpa? Vá tirar este calçado imundo, ralha a mulher como é de costume.

Chega a comadre e diz: Que casa limpinha, vou tirar o calçado para entrar.

Mulher: Não comadre, não precisa, a casa está suja mesmo, e dá um olhar feroz ao seu marido.

Vão todos para a sala, onde é servido o delicioso bolo.

Comadre: Me deu uma cede repentina, podes me trazer um pouco de água?

Mulher: Temos um suco delicioso, espera que eu já lhe trago.

Marido: Traz para mim também.

Mulher: Deixa de ser preguiçoso homem, levanta daí e vá buscar, diz a mulher com aspereza...

E, assim é que tratamos a maioria de nossos familiares, infelizmente, como se estivéssemos cansados de sua presença...

Além da eliminação das “arestas”, fruto de nossa inferioridade, a vida em família é, também, um ponto de referência que nos ajuda a manter contato com a realidade. As pessoas de nosso convívio apontam nossas falhas, ajudando-nos a corrigirmos os desvios de conduta.

Procuremos meditar sobre essas reclamações, será que eles não tem razão?

Jamais construiremos uma comunidade segura e tranqüila sem que o lar se aperfeiçoe. A paz do mundo começa exatamente sob as telhas a que nos acolhemos. Se não aprendermos a viver em paz entre quatro paredes, como aguardar a harmonia das nações.

O melhor remédio para curar o egoísmo é viver em família. Porque no lar nós vamos compartilhar a vida com pessoas diferentes de nós. Podemos dar como exemplo, um filho que gosta de estudar, outro que não suporta um livro. A esposa prefere férias no litoral, o marido gosta do campo. E todos estão reunidos para um "lar, doce lar".

A família sadia é a que lida com várias verdades possíveis e não com um comportamento em bloco. E necessário haver interesse sobre como cada um se sente nesse convívio e quais as suas necessidades. Respeitar a individualidade característica de cada ser faz parte de uma convivência saudável e harmoniosa. O lar é o lugar sagrado que Deus concedeu às criaturas para que elas pudessem construir os elos do amor que representam o verdadeiro sentido e significado do Evangelho de Jesus.

A nossa conduta fora de casa modifica-se quando temos algum problema dentro da família. Quando começamos o dia com desavenças no lar, ainda que de pequena monta, nosso dia parece que não engrena. Parece que está amarrado, dificultando o nosso deslanche. E aquela desarmonia familiar tende a se reproduzir fora do lar, seja no trânsito, no trabalho ou na escola. Se tivermos harmonia em casa, tudo conspira a nosso favor, sentimos que somos amados, queridos por nossos familiares, e aí o nosso comportamento no meio social tende a ser muito melhor, pois temos uma grande retaguarda de amor em nossa família. Sem a família não há evolução espiritual, ao menos em nosso atual estágio evolutivo.

Na família é que nós encontramos as nossas melhores companhias. Estamos reencarnados entre aqueles espíritos mais indicados ao nosso progresso espiritual. Eles nos trazem as lições ainda não aprendidas. Diante daquele familiar que representa um problema, indague-se qual a lição que a vida esta me trazendo. Paciência? Aceitação? Perdão? Doação?

Portanto vamos amar nossa família do jeito que ela é (esforçando-nos para que ela melhore). E se eles não são aquilo que gostaríamos que fossem, lembremo-nos de que nós podemos também não ser aquilo que eles esperavam.

Além de esclarecer os aspectos morais do Cristianismo sob nova ótica, o Espiritismo nos mostra a necessidade do diálogo franco; a prudência de não apontar a poeira no olho do próximo quando no nosso encontra-se um cisco enorme; a urgência de utilizarmos o perdão como veículo para manutenção do nosso próprio equilíbrio.

Há pessoas (espíritas!) que se opõem à evangelização infantil, alegando que é melhor dar liberdade de escolha em matéria de religião. Quem assim pensa, quão pouco entende da Doutrina, pois está analisando apenas a parte religiosa de seu tríplice aspecto. O Espiritismo não é um amontoado de dogmas nos quais acreditamos cegamente a ser impostos às crianças. O espiritismo é uma filosofia de vida, é uma forma de enxergar a vida. É uma resposta científica, filosófica e moral às dúvidas existenciais do ser. E justamente por essa ótica que é possível fazer os filhos participarem dos problemas da família. É através do exemplo diário, da convivência equilibrada da família com as dificuldades que todos nós enfrentamos, que as crianças aprendem com maior eficácia o valor da fé, da paciência e da perseverança.

Através do estudo do Espiritismo, compreendemos os problemas existenciais, os valores reais da vida, os motivos de nossos sofrimentos e como podemos nos libertar. Além disso, a Doutrina Espírita nos oferece a prece; o passe e a reflexão elevada, que aliados à nossa transformação íntima nos auxiliam na superação de dificuldades.

No princípio, dissemos que poderíamos ter uma casa, uma família, mas não termos um lar, se ali não houvesse entendimento. “Harmonia no lar” é a grande tarefa que se nos apresenta, pedindo esforço e dedicação de cada um em prol do bem comum. É um trabalho de todas as horas.

O instrumento ideal para aproximar os familiares é a oração em família. A prática do Evangelho no Lar, num dia marcado, é o cultivo do Evangelho no próprio coração das criaturas. Sintonizemos com essa fonte inesgotável para vencermos (em grupo) os obstáculos do caminho, e para conseguirmos forças e orientação para a construção de um futuro melhor para nós e para a Humanidade.

O ser que não tem uma crença e vive apenas para aproveitar os prazeres do mundo, é como um barco sem motor e sem velas, à mercê dos ventos e das correntes marítimas.

À luz da Doutrina Espírita O MELHOR É CRESCER EM FAMÍLIA, tendo Jesus por companheiro.

Muita Paz.

São José, 02/06/2002.

Tempo: 30 minutos.


Bibliografia:

O Melhor é Viver em Família – André Henrique (artigo).
Família – Cristiane Bicca (artigo).
Bíblia


endereço:http://www.panoramaespirita.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=527
imagem: www.comshalom.org/blog/carmadelio



quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A CURA NA VISÃO ESPÍRITA


- uma análise baseada nas curas de Jesus -


Andrei Moreira *


A cura na visão da OMS


A saúde, na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) está definida como um “estado de completo bem estar físico, psíquico e social e não meramente a ausência de doenças”. Essa definição, embora bastante ousada e vanguardista, data de 1949 e representa o ideal que todos nós perseguimos, mas que não conseguimos alcançar. Não conseguimos porque diante dos inúmeros desafios na vida, raros são aqueles que conseguem manter o equilíbrio em todas as áreas, quanto mais o completo bem estar, como pretende a OMS. A prática de saúde atual, a despeito de todos os avanços científicos, apresenta-se fragmentada e focada na super-especialização e no tecnicismo, e está muito longe de fornecer ao indivíduo recursos de auto-conhecimento, instrução e auto-amor que o capacite a sedimentar a busca pela saúde de forma eficaz e permanente,


A cura na visão espírita


Na visão espírita, a saúde é entendida sob o prisma da imortalidade da alma e as experiências de vida como construções pessoais, intransferíveis. Emmanuel nos afirma que “Saúde é a harmonia da alma”, dando-nos a orientação precisa para compreender que o foco de atenção é o espírito imortal, viajante da eternidade, construtor de seu destino e mantenedor dos estados íntimos que constituem a saúde e a doença.

Harmonia significa sintonia com seu momento de vida, seu estágio de amadurecimento, suas necessidades psicológicas, sociais e biológicas, bem como integração com o meio e interação consciente e útil com a sociedade e o universo. Harmonia não depende de ausência de doenças, podendo se manifestar mesmo na presença destas. Chico Xavier trazia o corpo coberto de enfermidades e o coração pacificado em Deus, harmonizado com sua proposta e sua missão. Já Hitler, pegando os extremos como exemplo, trazia o corpo aparentemente saudável e a alma desarmonizada, desconectada com o seu papel no universo e em seu momento evolutivo. Harmonia representa o resultado do plantio, a resposta da vida à busca consciente por sentido e significado mais profundos, por entendimento de si mesmo e seu papel no atual contexto encarnatório, mas, sobretudo, a conseqüência natural das ações no bem particular e coletivo.

Joseph Gleber, no livro O Homem Sadio, nos propõe que ‘Saúde é a real conexão criatura-criador e a doença o contrário momentâneo de tal fato’, rementendo-nos a reflexão à relação do ser com o Pai, com a fonte de sabedoria e supremo amor. O apóstolo João nos informa que “aquele que não ama não conhece a Deus porque Deus é amor” (I João 4:8). Jesus, a manifestação direta do Pai, o “melhor e maior modelo dado por Deus aos homens (LE q625), nos advertiu que sadio, portanto, é aquele que ama, independente de sua crença, de sua posição social, econômica, política ou religiosa, visto que o amor é a síntese da ética cósmica, a própria expressão do criador, no qual “vivemos, existimos e nos movemos”, conforme asseverou Paulo de Tarso (Atos 17:28).

A cura, na visão espírita, é resultado de um movimento pessoal, de um encontro do ser consigo mesmo e com o Deus que habita em si. Ela é fruto do despertar gradual que o espírito realiza enquanto caminha em direção à morada do Pai (sua intimidade), retornando ao seio daquele que é todo justiça, poder e bondade. É resultado da harmonia que é conseqüente ao esforço de auto-superação e desenvolvimento das potencialidades amorosas da alma, virtudes divinas existentes em gérmen na intimidade humana.


A cura segundo Jesus


“E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias no meio do povo...” (Mateus 4: 23). Se analisarmos a postura terapêutica do Cristo e suas curas, encontraremos farto material simbólico e arquetípico a nos direcionar o pensamento e o sentimento para a consciência de nosso papel co-criador e auto-curativo. Analisaremos cinco curas, de forma integrada, propondo uma visão possível dentre as inúmeras sugeridas pela ação crística.

Narra-nos o evangelista Marcos (Marcos 10: 46-52), que Jesus passava pela cidade de Jericó, acompanhado por grande multidão, quando um cego que mendigava à beira o caminho, de nome Bartimeu, o filho de Timeu, ouvindo que a turba se aproximava e que o messias nazareno se encontrava dentre eles, começou a clamar: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim. E clamava em altos brados e de tal forma que os que acompanhavam Jesus o advertiram para que não molestasse o mestre. Ele, tocado em suas fibras mais íntimas, sentindo certamente que seu momento de despertar espiritual era chegado, clama sem cessar até que o mestre, parando, manda que ele venha ter com ele. Interessante a postura de Jesus, que não vai até o cego, não se compadece do mendigo à maneira habitual, acreditando-lhe necessitado eterno. Ele ordena que ele, mesmo cego, levante-se e vá ter com ele, que se encontra no meio da multidão. Narra-nos o evangelista que Bartimeu, lançando de si a capa (tudo aquilo que encobria seu ser), levanta e vai ter com Jesus. O filho de Timeu, esquecendo-se de suas ilusórias limitações, levanta-se, mostra-se tal qual é, resgatando sua espontaneidade e naturalidade ao influxo da palavra do mestre e busca Jesus. Importante observação para todos aqueles que vivem a vida à semelhança do mendigo de Jericó, à espera da migalha alheia na forma de afeto, atenção, consideração e valor pessoal, sem conhecer as próprias capacidades e belezas, sem encarar a sua possibilidade de enfrentar a multidão dos seus desafios pessoais com otimismo e confiança em si mesmo e na vida. Tomar a iniciativa de buscar a Jesus é imprescindível atitude no caminho de reequilíbrio, pois o Cristo representa as leis divinas, a moral e a ética cósmica, transpessoal, capaz de nortear, como uma bússola segura, a nau que ameaça soçobrar nos mares da existência em busca de porto firme... Quando Bartimeu alcança Jesus, o divino pedagogo, conhecedor profundo da alma humana lhe questiona: que queres que te faça? Certamente que o Cristo, enviado celeste, sabia o que tinha para oferecer, mas àquele que busca a cura torna-se essencial a consciência do processo. Bartimeu tinha desejos, expectativas, visões que foram validadas pelo Mestre quando lhe questionou a que veio e o que desejava dele. E o filho de Timeu, tocado em sua alma pela sabedoria e maturidade lhe respondeu: Senhor, que eu veja... que eu possa enxergar os caminhos da vida por onde minhas pernas haverão de trilhar, por onde haverei de buscar a minha felicidade e a minha alegria, a realização de minha alma... Que eu veja os roteiros de luz que tu tens para me indicar a fim de que possa restabelecer a minha auto-estima e sedimentar a minha confiança na rocha firme das convicções profundas que me direcionem para a auto-sustentação e auto-gerência com dignidade e eficácia na busca pela felicidade... E as vistas de Bartimeu se abrem por ordem de Jesus, que afirma-lhe que a sua fé o havia salvado, o seu amadurecimento o havia libertado. Jesus representa o eterno amor de Deus disponibilizado para as criaturas, incondicionalmente, à espera de que estas possam usufruir desse estímulo e sustento divino na conquista de si mesmos.

Mas Jesus continua sua caminhada e vamos encontrá-lo agora na varanda do templo de Jerusalém, à beira do tanque de Betesda, ou piscina das ovelhas, como era conhecido aquele tanque cujas propriedades da água, acreditava-se, eram milagrosas. De tempos em tempos um anjo viria do alto a balançar as águas e o primeiro que lá dentro se atirasse seria curado de suas enfermidades. E essa crença era de tal forma arraigada naquele povo, que uma multidão se acotovelava naquelas paragens à espera de um milagre. Assim também a humanidade atual, que acredita que as respostas para seus dramas e a cura para as doenças do corpo e da alma virão exclusivamente de fora, da ciência, da psicologia ou da religião, e aguardam imóveis a solução miraculosa que as liberte de seu sofrimento e de seu vazio interior. Narra-nos o evangelista João (João 5: 1 – 15) que naquele local estava um homem que há 38 anos jazia enfermo, deitado sobre um catre, aguardando a cura de sua enfermidade. Jesus, em nova postura terapêutica, não aguarda seu pedido, não o conclama a vir até ele, mas reconhecendo a circunstância educativa em que o homem se inseria, vai até ele e chama-lhe pelo nome dizendo: queres ficar são? O paralítico, ainda mergulhado na parcial ilusão de sua dependência, mas certamente já amadurecido pelos anos de enfermidade e reflexão, responde a Jesus que esse era seu desejo, mas tão logo o anjo balançava as águas da piscina, outro se atirava à sua frente e ele não conseguia a cura almejada. Vigora ainda hoje na humanidade a crença de que a cura, a felicidade e a realização são frutos de disputa e que uma vez o outro tendo conquistado-a não há espaço para conquistas semelhantes ou mesmo que as haja, a disputa, a inveja e a comparação destróem as melhores aspirações... Jesus, ignorando a ilusão na alma do doente lhe chama à ordem e ao equilíbrio determinando, com seu magnetismo vigoroso, que ele se levantasse, tomasse a sua cama e andasse. A paralisia é curada e o homem tem seus membros, dantes atrofiados, rejuvenescidos e agora vigorosos para caminhar pela vida com liberdade e consciência de seu papel e dever perante si mesmo, o outro e Deus. Na seqüência da narrativa, Jesus encontra-lhe no templo, local dedicado à adoração ao Pai e o Cristo, percebendo-lhe em adoração íntima e verdadeira, presenteia-o e a nós todos com a lição magistral: “eis que já estás são (pois que reconectado ao criador); não tornes a pecar para que não te suceda algo pior”. O pecado, quando exprimido por Jesus, segundo estudiosos, tinha sentido bem diferente do que entendemos hoje. A palavra hebraica que o originou, traduzida para o grego, segundo o teólogo Jean Yves Leloup, dizia-se Hamartia, que ‘em sentido literal significa: perder o eixo, o centro, visar ao largo, ao lado, estar fora do alvo”. Assim como ele advertiu a mulher considerada adúltera (João 8:3-11), mostrando-lhe a ausência de julgamento exterior e integrando-a na posse consciente de sua experiência de vida, para que fosse e não pecasse mais, ele advertiu ao ex-paralítico da piscina e a todos nós, para que diante dos insucessos de nossos caminhos evolutivos, não nos deixássemos dominar pela culpa, orgulho e desânimo, recomeçando sempre a busca pela cura de nossas almas e o encontro da paz. Ao ex-paralítico Jesus pareceu querer dizer que agora que suas pernas estavam reabilitadas e seu coração entregue ao Senhor, que ele redimensionasse seus objetivos, propósitos e instrumentos para alcançar os alvos destinados pelo seu interesse e coração, na conquista da felicidade permanente em sua alma. Sem culpas, sem medos, sem amarras, mas com coragem, que, literalmente, significa agir com o coração. Percebemos aqui que o olhar restabelecido no cego de Jericó tem a continuidade nas pernas revitalizadas na piscina de Betesda. Mas Jesus prossegue e não pára por aí...

Em Lucas 17:11-19 vamos encontrar o mestre diante de dez leprosos, os portadores antigos do mal de Hansen da atualidade, infecção bacteriana pelo bacilo de Koch que naquela época era desconhecida. Essa doença caracteriza-se por afetar, predominantemente, o sistema nervoso e tegumentar (a pele e camadas mais superficiais), gerando lesões de grande impacto e sofrimento, nas fases mais avançadas da doença. Sem acesso à real compreensão da moléstia, os portadores da Lepra eram discriminados e estigmatizados pela sociedade, que os considerava impuros e os proscrevia em sociedades isoladas da comunidade majoritária, nos chamados vales dos leprosos, onde sofriam na solidão e no quase total abandono o avanço da doença. Aqueles doentes observavam Jesus de longe, sem coragem de se aproximarem, seguindo os preceitos sociais da época. O Cristo, em nova postura terapêutica, vendo-os se compadece e manda que eles se dirijam ao sacerdote e a ele se apresentem. Mandava a lei mosaica que quando um leproso fosse curado pelo poder divino, que ele devia se apresentar ao sacerdote para que fosse considerado purificado e pudesse se reinserir na sociedade de origem. Enquanto se dirigiam para o templo, ficaram curados e se maravilharam disso. Dos dez, apenas um retornou a agradecer ao senhor e a bendizer-lhe a intervenção divina. Jesus, vendo-o, questionou: não foram dez os curados? Onde estão os outros nove? E sem aguardar resposta disse: vá, a tua fé te curou. Embora a intervenção do alto se dê indistintamente, poucos são aqueles que cogitam de cura real e aproveitam das divinas concessões para purificar a alma nos caminhos da vida. O amor de Deus, disponível a justos e injustos, testemunha aquilo que Jesus afirmou, ao repetir as palavras do profeta Oséias: “misericórdia quero, e não sacrifício” (Oséias 6:6 e Mateus 9:13). A Hanseníase, nesse contexto, simboliza tudo aquilo que isola e afasta o homem do convívio sadio com os seus, com a sociedade de que faz parte, no cumprimento de seu papel e sua missão. A pele é símbolo da troca, do afeto. É o que nos limita e nos separa do outro, mas também é a fonte da sensibilidade e da percepção a interação com o meio, bem como o sistema nervoso representa a fonte de orientação e ação, o guia e controlador do corpo. Nessa interpretação, os hansenianos simbolizam a doença da separatividade, do isolamento, do preconceito e discriminação, em todas as formas que ela se apresente. Curando-os, Jesus convida a toda a sociedade a se reinserir no seu papel co-criador, a curar as relações que são a fonte da vida e se restabelecer na expressão da sensibilidade e do afeto inerentes às almas que se conectam com a fonte de compaixão, ternura e misericórdia que emana do Pai. Diante do olhar curado de Bartimeu, para enxergar a vida, das pernas restabelecidas do paralitico da piscina de Betesda para caminhar pela vida, Jesus nos direciona os passos convidando o candidato à cura real do espírito a assumir seu papel social como um digno representante de Deus, como um ser consciente que implementa ações transformadoras pelo afeto, que foca nas relações investido de alteridade verdadeira e que busca a sua realização na capacidade de interagir ofertando o seu melhor.

Jesus prossegue o seu caminho e agora vamos percebê-lo na região de Gadara (Mateus 8: 28-34), a encontrar os enfermos que estavam possessos e viviam nos sepulcros, tomados por uma legião de espíritos que com eles se afinizava e entrava em sintonia. Jesus, em postura terapêutica singular, não lhes dá conversa, não perdendo tempo com o mal temporário e apesar de seus protestos liberta os enfermos que haviam cedido a sua vontade à dominação da vontade alheia, pela concordância e aceitação dos pensamentos, ações e sentimentos inspirados, deixando à legião de espíritos transviados no mal a companhia da manada de porcos, símbolo da queda moral, que, perturbada pela vibração adoecida daqueles seres, se agita, precipitando-se no mar. A possessão, representando o estágio máximo do fenômeno obsessivo, simboliza a letargia espiritual, a rebeldia e a dor de estar apartado do bem e da paz. Chama-nos Jesus a atenção para a conseqüência do afastamento do bem e a intensidade de desequilíbrio a que se arroja o ser quando se desvia do amor e dos esforços por conquistá-lo. O mal, sem ter existência real, assim como a sombra, desaparece ao raiar o dia na alma do filho de Deus que deseja reencontrar-se e assumir seu destino com consciência e integridade. A liberdade relativa dada por Deus aos homens limita-se na escolha dos mecanismos de amor e de amar, visto que só há liberdade verdadeira para o bem. Quando nos transviamos na maldade ou na crueldade para conosco mesmo ou para com nosso semelhante, a vida aciona mecanismos automáticos de retorno ao equilíbrio, fazendo a separação do joio e do trigo, ainda que por meio da dor. Jesus simboliza nessa passagem, a intervenção misericordiosa de Deus pondo termo ao conluio de mentes e vontades adoecidas devido ao afastamento do bem. Libertando os endemoniados gadarenos, o Cristo convida a humanidade esclarecida a exercer a sua liberdade para o usufruto dos dons divinos, no exercício da criatividade elevada para o belo e para o bem, a serviço da educação espiritual do ser humano. O olhar de Bartimeu que enxerga os caminhos, que caminha nas pernas do paralítico da piscina de Betesda, a caminho da inserção social necessária e profícua, é agora individualizada na edificação da identidade sagrada e única do filho de Deus que desperta para seguir louvando ao senhor em seus testemunhos diários.

Finalmente, o evangelista nos apresenta a cena em que o Mestre, em dia de sábado, encontra-se no templo a louvar a Deus e desejoso de dar uma lição importante à hipocrisia religiosa dominante naquela época e em todas as épocas, cura o jovem que tinha a mão mirrada dizendo: abra-te, e ela se abriu (Lucas 6: 6 – 11). Feliz é a alma que se encontra no reconhecimento da grandeza do senhor e se identifica com ela, louvando a Deus em toda parte. Mas Jesus testemunha que mais feliz ainda são aqueles que, adorando ao senhor, não se circunscrevem à adoração dos lábios e das atitudes inúteis, fazendo da sua comunhão com o Pai um exercício de fé, vitalidade e amor prático a serviço do semelhante, a serviço do alívio da dor humana e do cultivo do otimismo e da esperança nos corações necessitados. Abrindo a mão do jovem no templo, o senhor sintetiza a proposta de cura do evangelho sugerindo-nos que o adorador de Deus abre as mãos na direção do seu irmão, estabelecendo ligações, conectando as almas e sentindo a todos como família irmanada em Deus, nosso Pai.


Conclusão


Enxergar, caminhar, interagir e integrar, individualizar e finalmente servir, eis a síntese luminosa da proposta de cura da alma expressa no evangelho para o filho pródigo que retorna à casa paterna, em busca de aconchego, trabalho e consideração. “Vai, a tua fé te curou”, representa o coroamento de um trabalho longo de auto-burilamento, auto-consciência e superação pessoal na direção do alvo sagrado da renovação de alma para a felicidade almejada. O amparo divino não escasseia em nenhum tempo e em nenhuma época, sendo abundante fonte de nutrição e consolo, estímulo e sustento na caminhada de todo filho de Deus. Ecoa em nossos ouvidos a mensagem do Cristo aos apóstolos, diante das dificuldades e limitações da jornada a afirmar: “eis que estarei até o fim convosco”; “Aquele que perseverar até o fim será salvo”, dando-nos a exata noção da responsabilidade que nos é devida e da misericórdia que nos é concedida diuturnamente.

A visão de saúde da Organização Mundial de Saúde e a proposta espírita se interlaçam na busca pela harmonia da alma e o equilíbrio dinâmico do bem estar holístico. O Espiritismo, enquanto ciência do espírito, nos convida à individualização com Jesus, na renovação do homem velho em homem novo, vitalizado pela revelação da boa nova e as vibrações do amor. Como conseqüência desse movimento de cura interior nasce o homem de bem, que vencendo as suas dores interiores, parceiras ainda presentes no atual estágio de saúde possível ao homem da Terra, mostra-se comprometido com o coletivo, com a utilidade geral, consciente de si mesmo e conectado à fonte suprema, bebendo da fonte sagrada da inspiração superior e atento ao questionamento do mestre aos discípulos despertos para as verdades superiores da vida: e Tu, (diante da cura que construístes e conquistaste) que fazeis de especial (Mateus 5:47) ?

* Médico generalista integrante de uma equipe do PSF em BH/MG

Presidente da Associação Médico-Espírita de MG

ammsouza@hotmail.comwww.amemg.com.br



Fontes

1) A Bíblia Sagrada – tradução de João Ferreira de Almeida

2) O Consolador – Emmanuel/Francisco Cândido Xavier, Ed. Feb

3) O Homem Sadio, uma nova visão – autores diversos, psicografia de Alcione Albuquerque e Roberto Lúcio Vieira de Souza, Ed. Fonte Viva

4) O Livro dos Espíritos – Allan Kardec

5) O Romance de Maria Madalena – Jean Yves Leloup, Ed. Vozes

6) Preamble to the Constitution of the World Health Organization as adopted by the International Health Conference, New York, 19-22 June, 1946; signed on 22 July 1946 by the representatives of 61 States (Official Records of the World Health Organization, no. 2, p. 100) and entered into force on 7 April 1948.


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